Janete

O ônibus era o 455. Copacabana - Central.
Sento lá atrás, sempre. 
Só tinha lugar para sentar no corredor, do lado esquerdo.
Do lado direito, vi Janete. Uma negra linda. Por volta dos 35 anos. Negra, bem gorda, cabelo solto, curto, alisado. Tinha duas bolsas. Uma, parecia uma pequena mala de viagem, e uma bolsa de mão, mas destas grandes, avantajadas. Estava, também, sentada no corredor (do lado direito), bem ao meu lado (do outro lado do corredor).
Em geral, viajo silenciosa, lendo um livro (no momento, é "A grande arte"), ou fotografando as pessoas.
Janete pediu para ser fotografada. Fechei o livro e...

- Pois é, menina! Mas eu não te contei? Foi um escândalo... É, se lembra? Então, ela fez uma cara... É uma sonsa. Sonsa. É. Muito sonsa. Ela sabe que eu sei. Mas ela não diz nada. Faz aquela cara de santa. Naquele dia lá, lembra? Pois é. E aí, desde sempre é assim. Ninguém percebe. Mas eu sei. Ela não é boba. Ela se faz de boba. Mas a mim, é a gente. Não, não engana. É, menina. Foi? Me conta. Jura? Tá vendo? Olha... eu vou te contar... Eu, se fosse má mesmo, eu falava pra ela. Mas ia ser um chororô danado. E não dá. É. Ai, sabe? Não tenho paciência. Porque você sabe, nós somos pessoas boas, do bem mesmo. Ela, não. Pois é. A gente é justa, leal, amorosa...
- Ô mãe... olha só... que legal aquilo ali...

Quando vejo, atrás do (grande) corpo, de Janete, tem um menino. Chama-se Jackson, e tem 5 anos. 
É negro, como a mãe, uma pele que parece uma seda. Cabelo curto, com desenhos que não consegui definir.
Estava sentado, no canto da janela, vendo o mundo passar do lado de fora da janela do ônibus.
Só queria uma mãe, que também conversasse com ele.

- Ai, garoto. Que que é? Fica quieto aí, que eu tou falando com a sua tia, não tá vendo? Ai, Jussara, esse moleque não percebe que tou no telefone com você? Mas enfim, menina. É, pois é. Puxou o pai dele. Isso. Então... daqui há pouco eu vou encontrar com ela, lá na Central. É. Por isso te liguei agora, cedinho. É. Isso. Mais tarde te ligo, e te conto. Menina, graças a Jesus a gente é do bem, né? Porque olha... Tá, tá bom. Um beijo. Ó, sua tia tá te mandando um beijo...
- Deixa eu falar com ela? Tia...?
- Não sabe que telefone é caro, menino? Amanhã a gente vai encontrar ela e você dá o seu beijo. Não tou te dizendo, Jussara?

Eu precisei saltar do ônibus. Mas tive vontade de abraçar Jackson e ver o mundo dele, pela sua mesma janela.

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