Pedro Luiz

Eu vi Pedro Luiz por acaso.

O conheci antes-de-ontem. Portanto, será uma história que fala de passado. Recente, mas, ainda assim, de passado.

Pedro Luiz - gostava de ser chamado pelos dois nomes - era um homem rico. De grana. Tinha dinheiro e tinha alegrias.

Tinha 50 e muitos anos. 58, acho eu. Casado com Daniele há mais de 20 anos. Pai da Leila, sua filha adolescente, de 16 anos. 

Pedro Luiz era engenheiro. A esposa, arquiteta. Conheceram-se em uma obra, que ele trabalhou. Apaixonaram-se e casaram. Ela era mais durona que ele, mais séria, mais prática. 

Pedro Luiz, ao contrário da grande maioria da sua profissão, tinha mais traquejo com pessoas do que com linhas retas. Seu ídolo era o Niemeyer que, apesar de não ser engenheiro - e sim arquiteto - gostava das curvas, da sinuosidade. Era assim, também, na vida. No trato com os funcionários, com as pessoas, com a família. E com a filha, seu grande amor. 

Leila era um doce, grande amiga e parceira do pai. Não era "aborrecente", como muitos pais se referem aos filhos. Ela era adolescente, tinha as características bem da sua idade. Era o tipo paty, menina-zona-sul. Praia, cinema, lanche com as amigas, matiné. Leila dizia: "quero ser design de interiores". E o pai via e ouvia a filha com orgulho. Ele ensinava a ela as linhas curvas, a sinuosidade, a imperfeição. 

Pedro Luiz gostava de jogar golfe, na Barra, com os amigos, no domingo de manhã. "Preciso voltar a tempo para almoçar com a família". Os amigos ficavam putos. Mas ele era feliz assim. Pedro Luiz era isso: um homem feliz. Às vezes, jogava frescobol na praia, em frente de casa, no sábado, fim de tarde. Às vezes, saía pra beber com os amigos, sem mulher, sem filha. Eventualmente, voltava altinho pra casa, rindo à toa. A sua família gostava de sacaneá-lo, nessas horas, coitado. "Pai, põe a chave na porta!". "Marido, põe uma água pra mim?". E elas riam da bêbada ingenuidade do pai-marido alcoolizado.

Eu conheci Pedro rapidamente e por acaso. O conheci no trânsito. Eu, no ônibus. Ele, no seu carro. Não sei a marca do carro, mas é daqueles grandes, altos. Não tipo pick-up, mas tipo grandão. Era ele que gostava de levar a filha pra night, pro boliche na Lapa. Leila e todas as amigas. 

Pela primeira vez, sentei num banco do ônibus que é de costas, contra o fluxo. Não conhecia ônibus com estes bancos, e gostei da experiência: ver a vida passando pra trás. Vendo o sentido oposto do trânsito. 

O motorista, por sua vez, não era habilidoso. Fechava todo mundo no trânsito, corria e freava demais. Enfim, o exemplo de um péssimo motorista.

Eis que eles se encontraram: o motorista e Pedro Luiz. O primeiro fechou o segundo feiamente, logo no início do Aterro do Flamengo. Eu indo pro trabalho, antes das 8h. Pedro Luiz também. Ambos gostamos de chegar cedo. 

Me chamou a atenção: Pedro Luiz, rico, naquele carrão, sem ar condicionado. Tinha uma explicação: ele gostava de sentir o sol, o vento, os cheiros. De ouvir as pessoas. Nada pagava aquele vento no rosto. Nem o ar condicionado fresco. Ele tinha ar condicionado em casa, no trabalho. No carro, não! Pedro Luiz precisava de ar puro. Ainda que poluído. 

Eu vi, em câmera lenta, o motorista fechando o carro de Pedro Luiz. Ele buzinou, assustado. Acelerou o carro, para poder emparelhar com o motorista. Eu vi TUDO. Em câmera lenta. E pensei: "já já começa o barraco".

Pedro Luiz olhou para o motorista, e fez um gesto, com o braço, mão, do tipo: "O que foi isso? Não entendi". Não era um gesto de indicação, ou de puto. Sequer de raiva. Era apenas um gesto de: "Não entendi".

Pedro se permitiu desacelerar o carro e o ônibus (e motorista) continuaram no seu caminho. Pedro Luiz também. Com a diferença: ele sentia o vento no rosto. E era feliz.

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