Muitas vidas possíveis
Nessa história, eu não tenho um nome. Você - que está lendo - pode dar o nome que quiser a mim. Porque, por acaso, eu tenho um nome. Mas que monte de outros nomes eu poderia ter tido? Então, vamos assim, sem nome nenhum.
Escrevo essa história da vida que eu tenho, em 2024. Sou casada e trabalho em uma escola particular da Zona Sul, como professora do Ensino Fundamental. Gosto do meu trabalho, me faz feliz. Da minha vida como um todo, eu gosto: marido, bichos, casa. Mas gostar, gostaaaaar mesmo, eu gosto do meu trabalho. Como diria a minha psicóloga, “é uma fatia importante da minha vida”.
Mas é isso: minha vida. E se essa vida não fosse a minha vida? Se a minha vida fosse outra?
Eu gostaria de fazer a diferença no mundo, de algum jeito. Abrir uma ONG, ou participar de um coletivo social. Ou de fazer a diferença na vida de muita gente.
Gosto de imaginar as potencialidades que a vida nos permite.
Lembra aquele dia em 2017, que eu ia jogar na loteria e não joguei? E se eu tivesse jogado e acertado os números? Estaria milionária. Podia ter me mudado para o interior de Minas Gerais, comprado uma casa. Viveria de renda, ou de pequenos trabalhos na região. Seria até mãe, veja só! Teria um filho. Ou uma filha. E os animais. Talvez criaria galinhas. E porcos. E seria uma mulher do campo.
Ou lembra quando fiz o vestibular, em 2015, pra Letras? E se eu tivesse feito Física, que era um dos meus desejos? Hoje eu teria um diploma e poderia dizer “eu sou Física”. Além de ser Humana, sou Física. E poderia ser professora de Física. Ou pesquisadora na área. Quem sabe a NASA? Ganho um Prêmio Nobel por fazer uma invenção extraordinária na área de Física Nuclear? Incrível.
Ou, mesmo em Letras, eu podia ter seguido pelo caminho editorial. Sido escritora. Eu escrevo bem, as pessoas dizem. Podia ter escrito romances. De época, talvez. Ou futuristas. Ou até mesmo infanto-juvenis. Podia lançar meu livro na Livraria da Travessa do Shopping Leblon. Estaria vestida com um vestido longo, esvoaçante. Estaria sendo servido vinho branco para os convidados. E eu daria dedicatórias com uma caneta roxa, pra combinar com o meu cabelo.
Sendo escritora, poderia também ganhar dinheiro revisando livros. Da Companhia das Letras, ou da Leya. Seria amiga até do Jeferson Tenório. Beberíamos até uma cerveja, na quarta-feira no final do dia, pra falar dos nossos projetos pessoais.
Relações Internacionais? Era uma, não é? Fazer essa faculdade. Concurso público. Viraria Diplomata. Conheceria o mundo, a trabalho. Ganharia muito dinheiro.
Ou aquele namorado polonês. Já pensou se tivéssemos ficados juntos? Moraria hoje na Polônia? Teríamos filhos? Uma casa de campo? Talvez. Eu teria a cidadania polonesa. Conheceria diversos países. Não como diplomata. Neste caso, não sei que profissão eu teria.
Nesse campo das artes e da escrita, eu já escrevi poemas. Enveredei até pela música. E se tivesse escrito aquela música? E virado um funk. Hoje eu seria uma nova Anita. Ou Ludmila. Ou MC Poetisa. MC Fisiquê (a mistura de Física com Psiquê). Acho que essa é uma… Daria até certo. Eu ganharia muito dinheiro, e teria uma casa no Joá, onde eu receberia seletos amigos pra brindar o nosso sucesso.
Se hoje eu não fosse casada com o meu marido, poderia também ter casado com aquele namorado da adolescência, que minha mãe implicava. Era, na época, um menino calmo, pacato, sossegado. O genro perfeito. A gente moraria em Teresópolis, em uma casa modesta. Teríamos um Fusca. Nenhum filho. Muitos bichos. Eu viria trabalhar no mesmo lugar onde estou hoje, só duas vezes por semana. Daria carona para ele visitar os pais e os amigos.
Na verdade, quero contar uma outra história. Todos esses “seria”, e “poderia”, e “era uma, hein?”, é tudo ficcional. Porque, na verdade mesmo, eu vivi todas essas vidas. Tudo nessa mesma vida que estou vivendo. Porque essa história de fazer a diferença no mundo mesmo, dessa coisa grandiosa, eu guardo exclusivamente pra mim mesma. A diferença no mundo é para o meu mundo. E todos esses mundos existem.
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