A velha caída e a mão preta
[Escrito em 12 de dezembro de 2024]
Era quarta-feira. Cerca de 16h00.
Peguei o 415, no Rio Comprido. Pra quem não conhece, este ônibus faz Usina - Lagoa, passando pela Tijuca, Centro, Botafogo, Copacabana, Ipanema e Lagoa.
Na Central, comumente, sempre entram muitas pessoas pela porta de trás do ônibus, sem pagar.
Pessoas, vale dizer: homens. Pretos. Pobres. Sujos. Fedorentos. Fazendo barulhos.
Os passageiros ficam com medo. O clima no ar é de sempre perigo e mal estar.
Eu estava no banco próximo à porta de descida do ônibus. Lendo Grada Lomba, uma psicóloga preta, que escreveu a tese de doutorado, esta que eu lia, sobre racismo. Livro belo, lindo, e necessário.
Um desses homens que entrou sentou ao meu lado. Eu estava na janela.
Era um homem preto. Fedorento. Descalço.
Meu corpo se tensionou. Imediatamente: você está lendo um livro sobre racismo, Luana. É só um homem preto que fede. Só isso. Ele não é perigoso e não vai te assaltar. Pode te assaltar? Pode. Mas não tem que ter medo por ele ser preto e fedido. Das vezes que você foi assaltada sempre foi por homens brancos. Relaxa.
Relaxei. Continuei lendo o livro.
O homem encumpridava o olho pra minha leitura. Interessado.
Na Avenida Passos, subiu uma senhora, pela escada de saída. Ela era branca. Vestia um vestido. Um pouco gordinha e apresenta dificuldades pra subir a escada íngreme e de degraus altos.
Outro homem, que estava lá atrás dentro do ônibus, dessa galera que subiu, viu a cena. Veio até a escada e ofereceu a mão. A mão preta e fedendo.
- Vem, eu ajudo a senhora a subir.
Ela olhou pra ele. Mão preta.
Ela se agarrava nas hastes de ferro pra subir sozinha.
A mão preta continuava estendida a ela.
E ela continuava subindo se segurando nas grades.
Quando ela já estava devidamente dentro do ônibus, mas ainda não sentada, o ônibus seguiu viagem.
A senhora branca desequilibrou e caiu no meio do corredor do ônibus. Deu um grito. Bengala pra um lado. Bolsa para o outro.
A mão preta agora não ofereceu ajuda. Segurou a velha pelos braços, pela axila.
A velha era baixinha e bem gordinha. O homem preto teve dificuldades sozinho. Pediu ajuda. A outro homem preto.
- Vem, milady, eu ajudo a senhora. Segura em mim.
E ele mesmo puxava ela.
- Ampara ela por trás, mano. Me ajuda aqui, mermão. Vamos sentar a nossa milady.
E sentaram a senhora branca no banco vazio. Com sacola e bengala ao lado. Juntaram os seus pertences ao lado dela, com cuidado.
Ela não olhou. Não agradeceu. Reclamou do motorista.
O homem preto, sem pedir licença, sem oferecer ajuda, pegou na mão branca da senhora, já sentada.
- A sua benção, Milady.
E a senhora só reclamou do motorista, que não esperou ela sentar pra andar com o ônibus.
- São todos uns mal educados, uns drogados...
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