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Mostrando postagens de abril, 2014

Dois anos

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[A carta de um ano, aqui ] Ana Zanelli, de novo, esta carta não é para você. É para nós. Ou para mim. Para quem quiser ler, ou não. Você não lê mais onde está. Onde você está? Esta noite tive insônia, e não lembrava bem por qual motivo. Olhando a data no celular, me lembrei. A noite de 27 para 28 de abril de 2012 foi a sua última.  E, agora, dois anos depois, ainda sinto uma saudade grande de você. Não sempre, não todos os dias. Mas, agora, escrevendo, lembro de você com nitidez.  Eu achei que eu fosse viver pra sempre com a minha mãe viva. Sempre. Pra sempre. Mas as pessoas morrem. Até a mãe da gente morre, veja que coisa!  E, quando a mãe morre - quando você morreu - parece que a gente queima um diário, no fogo, que a gente escreveu desde que nasceu. Morreu a nave espacial. A casa que a gente veio ao mundo. E, toda a história que vai ser escrita, vai ser re-escrita-des-crita a partir dali: 28 de abril de 2012. Sinto saudades de você me chamando de Quinha. Sin

Luiz Fernando e Leonardo

Estava eu vindo para o consultório, no Centro. Era esquina de Santa Luzia com México. Quase em frente ao Consulado Americano. Ali, em frente ao Banco Itaú, uma barraquinha de água de coco. Aquelas tradicionais, amarela e verde, onde o vendedor coloca o coco de cabeça para baixo, e extrai a água do coco e, em seguida, serve o cliente em um copo ou garrafinha. Eu vinha andando pela mesma calçada do vendedor de coco – o Luiz Fernando -, quando vi Leonardo, o cliente, chegando junto. Ambos já se conheciam. Leonardo trabalhava ali perto, no SENAC, e ali era ponto de Luiz Fernando há alguns anos. - Fala Luiz, tudo bem, cara? - Tudo bom, seu Leonardo. E o senhor? Muito trabalho? - É, um pouco. Final de mês é mais pesado. E aí, quente, tá brabo esse tempo, né não, irmão? - É mesmo, tá demais. Até na sombra tá quente. - E esse coco aí? Geladinho? Docinho? - Acho que sim. Fica no gelo, né? - “Acho que sim”? Tu não toma do coco não, rapá? - Tomo não, seu Leona

Sr. Lessa e Julio

Estava eu vindo para o consultório do Centro e conheci – encontrei eles dois. A cena durou não mais que alguns segundos. Talvez um minuto. Não sei muito bem o nome das ruas ali. Acho que Araujo Porto Alegre esquina com alguma outra (aquela continuação da Evaristo da Veiga), aquele cruzamento atrás da Biblioteca Nacional. O trânsito, no novo formato que está, no Rio de Janeiro, precisa ter um “Agente de Trânsito” praticamente a cada esquina, no Centro do Rio. Tentei encontrar o nome destes profissionais, mas li no colete do Júlio: “Agente de Trânsito”. O rapaz, não mais que 24 anos. Todo paramentado e uniformizado. Morador de algum subúrbio-quente carioca, apesar da pele muito clara e dos olhos azuis. “Ele não se queima nestes dias quentes?”, pensei. Mas sua pele sequer estava avermelhada. O sinal havia acabado de abrir e vi Sr. Lessa atravessando a rua, sem olhar. Era cego de um olho. Alem de estar no auge de seus 87 anos. Usava uma bengala daquelas quatro-apoios, tipo and

Em observação, no Espaço da Mulher - 4

Hoje é segunda-feira. São 19h04. Estou no Espaço da Mulher, no curso de Liderança, com a Alba. Ao meu lado direito, está a Fernanda. Ela é alta, magra, cabelo liso, comprido, castanho, preso num rabo de cavalo. Veste calça cinza, blusa preta e bota preta. Está sentada, de costas para mim, assistindo o curso. Está com a cabeça apoiada na mão, olhando para a Alba, que está dando aula. Passa a mão no rosto. Cruza os dedos das mãos e tem as mãos apoiadas no rosto. Ajeita-se na cadeira. Passa a mão no rosto. Apoia a cabeça nas mãos. Um dos braços está apoiado na mesa. E a outra, com a cabeça apoiada. Coça o rosto. Apoia a cabeça na mão. Cruza os dedos das mãos. Ajeita o cabelo. Tem a cabeça apoiada na mão. Olha para o outro lado, ajeita-se na cadeira. (...) Fernanda está sentada, de pernas cruzadas, com as mãos no meio das pernas. Olha para a Alba, dando aula. Pega o copo sobre a mesa, bebe água. Coloca o copo vazio sobre a mesa. Tem as mãos cruzadas, no meio das pernas cru

Em observação, no IAG

Hoje é sábado. São 7h42. Estou numa sala, no IAG, na PUC, sozinha. Estou sentada na primeira mesa e cadeira, aguardando o Basílio e os alunos. Ninguém aos meus lados e nem na minha frente. Tudo iluminado e silencioso, apenas com o barulho do ar condicionado ligado. Basílio retornou e estamos conversando.

Em observação, na Transportadora JB

Hoje é quinta-feira. São 9h12. Estou na Transportadora JB, no Centro de Niterói, sentada na recepção. Ao meu lado direito, uma cadeira com a minha mochila em cima. Ao meu lado esquerdo, a porta da cozinha, fechada. Na minha frente, Tamires sentada na recepção. Ela é branca, magra, alta, tem o cabelo preto, liso, comprido. Veste uma calça jeans, uma blusa azul sem manga e sapatilha azul. O telefone toca. - Grupo JB bom dia. Quem gostaria de falar? Eu vou ver se ele já chegou. Só um minuto. Giovana, da Norte Brasil. Nada. Tamires desliga o telefone. Olha, séria, para o computador. Tem a mão apoiada no queixo. Senta de lado na cadeira e mexe no celular, enquanto mexe na blusa azul. Tem as pernas cruzadas e uma das mãos apoiada no joelho. Ajeita o cabelo. Olha para mim. Pega o telefone, põe no ouvido. Põe o telefone no gancho. Folheia um caderno. Pega o telefone novamente. Disca. Mexe no celular enquanto está com o telefone no ouvido. Coloca o telefone no ganch

Pedro Ernesto Madeira Figo

Conheci Pedro, por acaso. Tínhamos amigos em comum, e estivemos juntos algumas poucas vezes.  Eu moro na Tijuca, e ele já veio à minha casa, algumas vezes, com estes amigos, beber, jogar, bater papo. Ele (e os meninos) traziam uns qualquer-coisa-para-comer e eu e Augusto (o marido) providenciávamos o álcool.   Pedro e Augusto não se conheciam, da primeira vez. Pedro foi apresentado como Pedro Ernesto e, Augusto, sem deboches, só o chamava assim. Pedro Ernesto não tinha dito, mas preferia ser chamado assim. Era um homem enigmático. Não sabia bem o que ele fazia, qual profissão tinha, nada. Na verdade, isso não importava muito. Não éramos (somos) amigos, apesar de eu gostar dele. Pedro Ernesto e Augusto ficaram amigos rapidamente e, Augusto me contava sobre ele: - Saca o Pedro Ernesto? Ele é Engenheiro, mas não exerce. - Nossa, nunca imaginei ele como engenheiro. - Sério, por que? - Sei lá, eu acho que ele seria qualquer-outra-coisa. - Que coisa?

Em observação, na Neide's Coiffeur - 4

Hoje é sábado. São 11h24. Estou no salão Neide’s Coiffeur, em Copacabana, esperando a tinta agir no meu cabelo. Ao meu lado esquerdo, uma cadeira vazia. Ao meu lado direito, Moisés está sentado. Ele é moreno, alto, magro, tem o cabelo curto, preto. Veste calça jeans, blusa preta (uniforme do salão) e tênis branco. Mexe no celular. - Aquele dia que tu voltou do... Atrás de mim, as pessoas passam, para um lado e outro do salão. Moisés continua mexendo no celular, em silêncio. Mexe no cabelo. Continua mexendo no celular. Uma cabeleireira passa atrás de mim. Uma cliente passa atrás de mim, carregando uma bolsa e uma revista. A cliente novamente passa atrás de mim. Moisés levanta e sai. Agora, ninguém ao meu lado direito e nem ao meu lado esquerdo. A cliente novamente passa atrás de mim. Moisés passa atrás de mim. A faxineira passa atrás de mim, carregando uma vassoura. Moisés passa atrás de mim. Uma cliente passa atrás de mim. Moisés

Em observação, no consultório (Centro) - 13

Hoje é quinta-feira. São 15h13. Estou no consultório do Centro, dentro da sala de atendimento, sentada no divã, esperando paciente de 15h30. Por aqui, porta e janela fechadas e luzes acesas. Tudo silencioso, apenas com o barulho do ar condicionado.