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Mostrando postagens de julho, 2020

Ligou engano

(Escrito em Janeiro de 2020) Eram quase 23h. Por um motivo qualquer, eu ainda estava acordada. Momento raro, neste horário. O celular toca. Número restrito. Aquele micro-segundo. - Filha em casa? Marido em casa? Todos em casa. Vou atender, né? Vai que... - Alô. - Mãaaaaee.... Sinto cheiro de golpe e a minha veia humorada não estava saltada dessa vez. - Ligou engano, amigão. A mesma pessoa que me chamou de mãe, não mais que de repente, diz: - Oi, minha linda... - com a voz do antigo tele-sexo (ainda existe isso?) - Continua ligando engano. Não sou a sua linda. São 23h. Ele não espera que eu tenha bom humor neste horário, né? - Ah, você não é a minha linda...? - com a voz ainda mais sensual. Coloquei o celular no viva voz. E entra o marido no quarto. - Quem era amor? - Engano, paixão. Primeiro um rapaz achando que eu era a mãe dele. E em seguida achando que eu era a linda dele. Ou seja: não era pra mim. Ligou engano. E eis

Vamos pra Júpiter?

(Escrito em Novembro de 2019) Era domingo. Antes das 16h. Eu estava andando próximo de casa, em direção ao ponto de ônibus, na rua paralela à minha. E descobri que nesta rua, que ando todos os dias, tem uma casa de festas infantis. A correria-do-dia-a-dia não me permite ver nem os muros coloridos? E atravessam a rua um menino de por volta dos seus quatro anos, carregando uma caixa, com talvez os brindes e brinquedos que acabou de ganhar da festa. E de cada lado seu, papai e mamãe. Eu consegui pegar um micro-fragmento do diálogo. - Para onde vamos agora, filhão? - Vamos para Jupiteeeeeeeer!!!!! - Não, cara - entre risos - para Júpiter não dá pra gente ir. Pode ser pro shopping? Eu, que estava adiantada para o meu compromisso, dei uma meia trava no passo, travei olhar com o papai, que fez a pergunta, e ele assentiu com a cabeça, com um sorriso. - Oi, cara. Qual o seu nome? Ele olhou para o pai, como a pedir permissão. - Meu nome é Artur! - mei

Francilene?

(Escrito em Setembro de 2019) O celular toca. Sexta-feira, 19h. - Francilene? - É engano. - É a Ana, Francilene. - Oi, Ana. Meu nome não é Francilene. Você ligou engano. - Qual o seu número, amiga? - Para qual número você ligou? Ela diz o número. Totalmente diferente do meu. - Este número é totalmente diferente do meu. - E agora? O que eu faço? - Tenta ligar novamente pra Francilene.  - Tá bom, vou fazer isso.  - Tá bom, boa noite. - Olha, antes de você desligar... Eu sou testemunha de Jeová, e ia passar a palavra para a Francilene. Você tem interesse de ouvir a palavra de Jesus Cristo? - Eu agradeço muito, Ana. Mas eu sou de outra religião. Tenta ligar para a Francilene novamente. - Você é adoradora do diaaaaaaaaabo! Tá repreendidoooooooo.

E as ligações continuam...

(Escrito em Julho de 2017)  De férias, em casa, meu celular toca. Número desconhecido. Em geral, não costumo atender, mas só fui ver que era desconhecido depois de dizer "alô". - Alô. - E aí, tudo bem? - Quem tá falando? - Não acredito, não reconheceu minha voz? - Qual o seu nome? - Não está reconhecendo a minha voz, minha linda? - Eu gostaria de saber o seu nome. - Sou seu primo, de fora do Rio. - Vou repetir. Qual o seu nome? - Safada, cachorra. Ainda permaneceu em silêncio e ouvi um diálogo, ao fundo: "com esta a gente não conseguiu, mano".

Filho dela

(Escrito em Junho de 2016) Eu não me lembro direito seu nome. Nomes são importantes. Gosto de saber o nome das pessoas. Eu já tinha visto foto dele. Já tinha ouvido sua mãe falar dele. Convivo com ela, diariamente.  Eu o via - além das fotos - como um menino agitado, falante. Até meio inquieto.  E eu cheguei à festa. Um pouco atrasada, o que não é meu habitual. Lá estava ele e sua família. Talvez seus oito ou nove anos.  - Boa tarde, minha gente! - Oie. Este é o Fulano, meu filho! - ela disse. Ele, que estava sentado, à mesa, de costas para mim, deu uma virada de cabeça. Pude ver seu corpinho magro, e seus olhos grandes e azuis apontados para mim. Com um meio sorriso, me apontou um pedaço de linguiça no palito. - Quer uma linguiça? E você ainda me pergunta por qual motivo eu amo as crianças? 

Sobre a violência

(Escrito em 04 de abril de 2016) Centro do Rio, obras do VLT, Largo da Carioca. Dia útil, perto de 13:00h Estava indo almoçar com meu noivo, quando começamos a ouvir uma gritaria, vindo, ali, do nosso lado esquerdo. - Pega ladrão, pega, pega, pega!!! Um homem corria, portando alguma coisa que não era dele. Eu conseguia ver os saltos que ele dava por cima das pessoas, rumo a algum lugar, que não bem ali.  Se não fosse um assaltante, ou uma cena de medo, diria ver um bailarino, ou um esportista pulando obstáculos. Suas pernas e braços dançavam. Seu corpo magro gingava. E seu olhar - consegui ver - era de medo. Ali, naquele vão para entrar no metrô, consegui ver que um homem conseguiu paralisá-lo. A dança parou. O olhar de medo intensificou. Aglomerou gente em volta. A gritaria continuou. Piorou. Gente achando que o homem devia ser linchado, espancado, estapeado. O homem que o conseguiu paralisar era um terno-e-gravata-de-advogado. Jovem. Devia ter a minha

Cauã

(Escrito em 10 de janeiro de 2016) Era uma família de cinco. Estavam na praia, bem próximos a mim. Mãe, pai, uma filha de talvez uns treze, uma filha de talvez uns sete, e ele com uns cinco. A filha mais velha era adotada. A mãe, já próximo aos seus 30, apesar de seis anos de casada, não conseguia engravidar ("tento desde a lua-de-mel", dizia ela), resolveram adotar.  Uma menina doce, que vivia no orfanato ao lado da sua casa, ali no Leme. Foi amor à segunda vista. Da primeira vez que estivera no orfanato, estava sem o marido. E, da segunda vez, com eles, ambos amaram a pequena menina, sorridente e sozinha, num cantinho, com suas bonecas. Devia ter uns três anos. Ninguém sabia a sua idade real. Todo o processo de adoção levou uns dois meses, mas eles iam dia sim - dia não visitar a sua menina. Hoje, ela está com treze e se chama Elisabeth, e está legalmente registrada como filha do casal. É uma adolescente doce, amorosa, e independente. Ama os irmãos. Todos s

O moço e o sábado

(Escrito em 11 de dezembro de 2015) Era um sábado à tarde. 15:00h e pouco. Eles dois tinham ido me pegar no consultório, num fim dum dia de sete pacientes. Estavam sentados no hall dos elevadores do meu andar. Dali, íamos ao teatro, nós três. Eu, que não havia almoçado, sugeri um Mc Donalds. Tava a fim de comer besteira. Eu fui primeiro ao segundo andar, com a minha bandeja. Ela veio depois. E, por mim, seu pai.  Estávamos conversando sobre qualquer-coisa, quando ela saca o livro da bolsa e começa a nos contar charadas. Eis que chega um moço meio estranho.  Tá bom, eu gosto de gente estranha. Eu sou estranha. Nós somos. Nós duas, por exemplo, estamos sempre meio descabeladas e fazendo, de vez em quando, uma mini-bagunça. Mas o moço era um estranho-estranho-mesmo. Cruzou o olhar conosco e puxou assunto com ela. Perguntava o que estava lendo. Ela, que não gosta muito de papo com quem não conhece, olhou pra gente, e sorriu, tímida. O moço estava venden

Sobre a gripe

(Escrito em 30 de novembro de 2015) Você está em casa, numa segunda-feira chuvosa. Você e sua família. A campainha toca. O interfone não tocou anunciando a subida de ninguém. Sim, é aquela visita, que vem, pelo menos, uma vez a cada duas semanas. Todas as vezes sem ser convidada. - E aí? (E a visita não é íntima...) - Boa noite. Tudo bem? - Tudo, e você? - Muito gripada... - Tá gripada por que quer? - É mesmo? - Claro! Toma Bala Halls preta todos os dias. Uma por dia, que você nunca vai ter nenhuma gripe. - Obrigada pela dica. Devo chamá-lo de "Doutor"?