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Mostrando postagens de maio, 2020

Três anos

(Escrito em abril de 2015) AnaZ Esta é mais uma daquelas cartas. Que você não vai receber, ou ler, ou saber. Verbos que não fazem mais sentido onde você "está". Entre aspas mesmo, porque estar também não é mais o verbo. Então, a carta é pra gente, mesmo. A gente que está aqui. Desde ontem - dia 27 - eu acordei com uma vontadezinha de chorar. Uma angústia inominável. "Porque está tristonha?", uma amiga perguntou. "Não sei. Acho que cansaço, só". Até que, aqui no trabalho, precisei planejar o dia de trabalho para o dia seguinte. E o dia seguinte era 28 de abril. Aquele dia. O seu último dia.  Eu lembro bem do Nilson (nosso tio Nil), e da Rosa me ligando.  E lembro da Moniquinha me contando que, após seu último banho, você ainda chamou por mim. Há três anos atrás. Três anos. Eu cheguei, lá, há três anos, um tiquinho atrasada. Você já tinha se ido. Já não estava mais ali, naquele corpo frágil e doente.  A gente colocou as

Heloisa

                                                                (Escrito em 01 de abril de 2015) O trajeto era pouco comum. Ainda mais àquela hora da manhã. 8h, de uma quarta-feira. Metrô da estação General Osório.  Esta hora, eu prefiro o "carro das mulheres". Não por uma questão excludente, qualquer, mas, por dois motivos: em geral, são mais vazios; e, porque eu gosto de ver a cara das mulheres quando entra um homem distraído. Apesar de ser estação terminal, apesar de ser carro das mulheres, eu fui em pé. Todos os assentos já estavam ocupados quando entrei. Gosto sempre do final do vagão, onde consigo ficar encostada numa brecha entre o banco e a porta, de forma que posso ir lendo, sem precisar me segurar na barra-tão-disputada-por-todas-as-mãos. Em geral, eu disputo a leitura (atualmente, Kubler-Ross) com os olhares para as pessoas. Cada uma plugada em seu próprio celular, ou devaneio.  E pude notar quando ela entrou. Na mesma estação que eu. Talvez a

22h22

(Escrito em 14 de março de 2015) - 22 horas e 22 minutos, amor, faz um pedido! - Eu quero me casar com você. - Mas é um pedido secreto! - Eu quero me casar com você. - Mas, se são 22 horas e 22 minutos, é um pedido que vai se realizar em dois dias. - Eu quero me casar com você. Te amo, André Lima. Para sempre. Todos os minutos da nossa vida. (Editado em 18 de maio de 2020) E hoje estamos aqui, quatro anos casados.  E este é o meu desejo realizado de todos os dias. às 22h22 e em todos os minutos.

Fábio e o pai

(Escrito em 14 de fevereiro de 2015) Hoje fui à praia em companhia de mim (e meu livro).  Tão raro ir à praia sozinha, prazer que tive na minha adolescência / início da vida adulta, que até estranhei o silêncio da minha companhia na minha casa (praia = casa).  Muitas vezes, era difícil manter a leitura, com tantas coisas boas a serem apreciadas e vistas e ouvidas, além do meu silêncio. Eu já o tinha visto. Eu o chamarei de Fábio. Devia ter uns três ou quatro.  Corria e se divertia, sozinho, sem brinquedos. Como estava longe do mar, o pai deixava.  Foi quando ele e o pai passaram por mim, em direção ao mar. Sem mãos dadas. Apenas caminhando, lado a lado. - O que você estava falando com a mamãe, papai? - Pra ela não tirar a pelezinha. - A da unha? - É. Da unha. Você viu? - Eu já tirei a pelezinha da minha. - Mas isso machuca, cara. - Machuca não. Nem saiu sangue. Eu tirei..., a pelezinha da minha unha. - Eu me lembro, mas sangrou. - Sangrou? Mas não d

Ela na igreja

(Escrito em 10 de fevereiro de 2015) Eu a vi subindo as escadas rolantes do metrô.  Cabelos molhados às 11h? Que horas ela pega no trabalho? Andando devagar, com calma? Ainda comendo um biscoito? Vai engordar, essa danada... Resolvi segui-la. Ela vinha andando pela rua Uruguaiana, a passos lentos, observando as pessoas, os camelôs, a gritaria usual da região. Um quase-imperceptível-sorriso nos lábios me fez continuar seguindo-a.  Ela quase passou pela porta da igreja, deu meia trava no passo, olhou as horas e entrou. Ela, o pacote de biscoitos, a mochila nas costas. Fez o sinal da cruz. Me pareceu pouco familiarizada com o lugar. Procurou um banco vazio e ajoelhou-se no lugar apropriado para isso. (Qual o nome daquilo, apropriadamente acolchoado para os joelhos?) Olhou para a cruz, lá no altar, longe, onde aparecia a figura de Jesus e comeu mais um biscoito. De olhos bem abertos, começou, em voz alta. De novo: em voz alta. - Oi, Jesus. Vim mesmo