Ela na igreja
(Escrito em 10 de fevereiro de 2015)
Eu a vi subindo as escadas rolantes do metrô.
Cabelos molhados às 11h? Que horas ela pega no trabalho?
Andando devagar, com calma?
Ainda comendo um biscoito? Vai engordar, essa danada...
Resolvi segui-la.
Ela vinha andando pela rua Uruguaiana, a passos lentos, observando as pessoas, os camelôs, a gritaria usual da região.
Um quase-imperceptível-sorriso nos lábios me fez continuar seguindo-a.
Ela quase passou pela porta da igreja, deu meia trava no passo, olhou as horas e entrou.
Ela, o pacote de biscoitos, a mochila nas costas.
Fez o sinal da cruz. Me pareceu pouco familiarizada com o lugar. Procurou um banco vazio e ajoelhou-se no lugar apropriado para isso. (Qual o nome daquilo, apropriadamente acolchoado para os joelhos?)
Olhou para a cruz, lá no altar, longe, onde aparecia a figura de Jesus e comeu mais um biscoito.
De olhos bem abertos, começou, em voz alta. De novo: em voz alta.
- Oi, Jesus. Vim mesmo só dizer obrigada.
Tá certo, ela não estava gritando. Mas quem fala com Deus em voz alta? Na igreja, num dia de semana, fora de uma missa?
- Então, Jesus, é isso. Desculpe entrar, assim, na sua casa (é sua casa?, pensou ela) comendo biscoito... Mas só pra agradecer mesmo. Agradecer pelo pai e madrasta. Agradecer o noivo. Pedir perdão, também, né? Porque, assim, sua filha aqui é chata, né? Agradecer as coisas que tem acontecido aí na vida. O senhor sabe, né? Sabe sim.
E ela ia falando e comendo mais um biscoito.
A senhora do lado parou de rezar (rezar?) em silêncio para olhar a moça. Atônita.
A moça nem olhava pros lados. Só pra cruz ali na frente. E o saco de biscoitos.
- Então tá então, Jesus. (Ela riu). É isso só. Obrigada. Só vim aqui pra dizer isso.
Ela pensou: rezo um Pai Nosso? Uma Ave Maria?
Rezou.
Um Pai Nosso e uma Ave Maria, com as mãos voltadas para cima.
O biscoito sobre o banco da igreja.
Um olho na cruz, um olho no biscoito.
- Amém.
Levantou-se. Antes de sair fez o sinal da cruz.
E ainda consegui vê-la jogar um beijo na direção do altar, de longe.
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