Heloisa

                                                                (Escrito em 01 de abril de 2015)

O trajeto era pouco comum. Ainda mais àquela hora da manhã.

8h, de uma quarta-feira. Metrô da estação General Osório. 

Esta hora, eu prefiro o "carro das mulheres". Não por uma questão excludente, qualquer, mas, por dois motivos: em geral, são mais vazios; e, porque eu gosto de ver a cara das mulheres quando entra um homem distraído.

Apesar de ser estação terminal, apesar de ser carro das mulheres, eu fui em pé. Todos os assentos já estavam ocupados quando entrei.

Gosto sempre do final do vagão, onde consigo ficar encostada numa brecha entre o banco e a porta, de forma que posso ir lendo, sem precisar me segurar na barra-tão-disputada-por-todas-as-mãos.

Em geral, eu disputo a leitura (atualmente, Kubler-Ross) com os olhares para as pessoas. Cada uma plugada em seu próprio celular, ou devaneio. 

E pude notar quando ela entrou. Na mesma estação que eu. Talvez a mesma idade que eu. Um pouco mais ou um pouco menos. Uns quarenta, no máximo.

Seu nome? Heloisa. Sem acento no i mesmo. Mora sozinha, no Arpoador. Está fazendo doutorado na UERJ e, naquela hora, estava indo pra terapia, já um pouco atrasada. Sei que tem uma empregada que faxina a sua casa toda semana e, amanhã, seria dia dela. 

O que me chamou atenção em Heloisa foi o seu caderno. Qual a pessoa que, hoje em dia, anda com um caderno? Grande? Daqueles de capa-dura, que não cabem dentro da bolsa?

A Heloisa.

Encostou-se na parede e, mesmo em pé, com o sacolejo do metrô, conseguia escrever. Eu não conseguia ver o que escrevia, pois estávamos distante alguns metros, mas eu conseguia ver que escrevia, com caneta Bic, num caderno de capa dura azul, e que Heloisa era canhota. Eu acho bacana as pessoas que são canhotas.

A senhora que ia sentada, ao meu lado, ia saltar. Avisou Heloisa. "Senta aqui", disse ela. Heloisa agradeceu com um sorriso e recusou. "Mas é melhor pra você escrever". Heloisa se convenceu e sentou. Ia ser deselegante se não aceitasse. 

A moça que cedeu o lugar só levantou-se quando Heloisa estava bem próxima, "pra ela não perder o lugar", pois o metrô já estava cheio. 

Não haviam senhoras, nem grávidas, nem mães com crianças de colo e Heloisa pôde se sentar, despreocupada, agora, ao meu lado. 

Ainda que rapidamente e, me perdoe, Heloisa, bisbilhoteiramente, consegui compreender (ler?) que Heloisa escrevia um diário. Escrevia sobre ela, seu dia, seus horários, coisas que lembrava, queria, sobre passado e futuro e, também, sobre o que via em volta. 

As observações do que via em volta iam entre parênteses. "(que saia bonita da moça que entrou agora)", "(a moça também é muito bonita)".

Tive vontade de dizer a Heloisa que eu concordava com ela. Saia e moça eram lindas. 

Até que eu cheguei no ponto em que ela dizia que não só estava um pouco atrasada para a terapia, mas que tinha muito medo de que alguém lesse aquele seu caderno, e que a achasse louca, ou que, quem lesse, não veria sentido algum na sua escrita.

Heloisa, devo confessar: tive vontade de chorar pela minha bisbilhotice. Mas quis o destino (o destino?) que você sentasse ao meu lado, e eu pudesse lê-la. 

Queria te dizer algumas coisas, Heloisa:
Primeiro, que você é muito corajosa de escrever, assim, sobre si mesma, e suas questões. Sobretudo em um lugar público.
Segundo, que você não tenha medo. Você não é louca. A gente, muitas vezes, não percebe os sentidos do outro. Há que olhar pro que faz sentido para nós mesmos. O sentimento é que deve guiar os sentidos. E isso você tem, Heloisa.
Terceiro, te dizer que seu vestido também é lindo. E você também é muito linda. Fico com a impressão de que você se acha estranha. Um cabelo assim, meio despenteado e sem corte. Óculos com aros quadrados e largos. Uma roupa igualmente larga. Mas, acredite: você é linda. E, ainda que olhe pra dentro, ao escrever, consegue ver a bela saia e a bela moça, ao olhar pra fora também. Seu olhar, principalmente, te faz linda.

E, por último (mas talvez o mais importante dos itens), você nem sabe, mas eu li você. Li aquilo que você tinha medo de que alguém lesse. Logo eu, uma estranha. Me perdoe por isso. Senti vontade de te abraçar e de te pedir perdão. Mas eu ouvi a minha estação chegar e tive que ir, apesar de ter querido ficar.

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