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Mostrando postagens de março, 2013

Ela era evangélica

- Metrô Botafogo, Jardim Botânico, Gávea? Vaga sentado? Shopping da Gávea, PUC, Rocinha? Vai mais alguém? - Bom dia motorista. Sabe que, se dirigir direito, Deus abençoa. Paga teus pecados no Jesus salvador! Só Deus salva, motorista! Só Ele!!!!! Se não fizer direito, motorista, já sabe!!!! Deus não perdoa!!! O silêncio, que já existia do lado de dentro, a partir dela, foi ensurdecedor. Nem um pio. Só ela. - Je-suuusss... é o meu salvador... Só Ele... é que salva os peca-dôôô... E se... tu pe-cáááá... Je-suuuuussss... pode não te sal-váááá... - Próximo ponto, vai alguém? Metrô Botafogo, vai?  - Eu vou, cobrador. - Adianta a passage aí, minha gente. Se não, neguinho salta, não paga, e aí, fode tudo aqui pra nóis. - Je-suuuuuuuuuus... Perdô-a se-nhô... Ô motorista! Pensa no Jesus!!!! Só ele salva, motorista! Só ele!!!!!! Faz direito, motorista! Se não, já sabe... Tem que ser temente a Deus! Te-men-te! Só Ele salva!!!! Só Ele!!! Je-suuuuuss... é o salva-dôôr...

Pedro Luiz

Eu vi Pedro Luiz por acaso. O conheci antes-de-ontem. Portanto, será uma história que fala de passado. Recente, mas, ainda assim, de passado. Pedro Luiz - gostava de ser chamado pelos dois nomes - era um homem rico. De grana. Tinha dinheiro e tinha alegrias. Tinha 50 e muitos anos. 58, acho eu. Casado com Daniele há mais de 20 anos. Pai da Leila, sua filha adolescente, de 16 anos.  Pedro Luiz era engenheiro. A esposa, arquiteta. Conheceram-se em uma obra, que ele trabalhou. Apaixonaram-se e casaram. Ela era mais durona que ele, mais séria, mais prática.  Pedro Luiz, ao contrário da grande maioria da sua profissão, tinha mais traquejo com pessoas do que com linhas retas. Seu ídolo era o Niemeyer que, apesar de não ser engenheiro - e sim arquiteto - gostava das curvas, da sinuosidade. Era assim, também, na vida. No trato com os funcionários, com as pessoas, com a família. E com a filha, seu grande amor.  Leila era um doce, grande amiga e parceira do pai. Não era

Maria Eduarda

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O mar estava forte. A onda vinha até onde estávamos. Resolvemos, portanto, fazer uma pequena barreira de areia - que de nada adiantou - para que o mar não avançasse nosso obstáculo. O mar continuava vindo. Veio, com ele, Maria Eduarda, que viu aquele castelo baixo e comprido, e agachou-se, para tocá-lo, recém molhado pela onda rebelde. - Olha, pai, o castelo! - Oi... Ela me olhou, séria.  Os olhos, azuis como o céu, igualmente sérios. O cabelo preto, liso, num rabo-de-cavalo desgrenhado. Próprio das crianças que se divertem. Biquíni laranja. Talvez uns 4 anos.  - Como é o seu nome? - Maria Eduarda - respondeu baixinho, quase incompreensível. - Você gosta de praia, Maria Eduarda? - Gosto muito, eu venho sempre aqui. - já estava (quase) minha amiga. - Jura? Mas eu venho sempre aqui e nunca vi você aqui. Você já me viu aqui antes? - Eu já. Uma vez eu vi você, mas você estava longe... Mas eu me lembro de você. Eu já estava apaixonada. 

Fotografando gentinhas

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Ontem fui ao CCBB, com um amigo muito querido. - Você é minha melhor amiga - ele disse. Eu fiquei lisonjeada e feliz. Agradeci e fiquei feliz com o amor. É recíproco. Apesar de estar passando uma exposição que eu gostaria de assistir, fomos apenas tomar um café. Havia anos que eu não ia ao CCBB, quiçá para tomar um café. Pedimos os nossos cafés e salgados, e sentados nos degraus de uma escada, ali próximo. (Anotação de bordo: adoro sentar em chão / escada, e observar as pessoas). Na nossa frente, tinham crianças - e seus pais - em uma pequena fila, que dava num "muro" preto, com um retro-projetor. O retro "filmava" a criança se movimentar e projetava, numa tela "de cinema", à sua frente, o Menino Maluquinho (sim, o do Ziraldo) imitando os movimentos da criança.  O Menino Maluquinho é da minha época, que tenho 34 anos. Eu lia os livros, ria, me emocionava. Já fui a Bienal do Livro, com a minha (falecida) mãe, e o Ziraldo já autogr

A moça das unhas

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Este é o primeiro dos posts sem nome próprio. Não que ela não exista. Ela existe, na vida real. A conheci num curso que fizemos juntas. Já a conhecia antes, pela internet. Tinha concedido uma entrevista para o trabalho dela. Pessoalmente, no entanto, foi a primeira vez.  Estava com o filho, um pré(-adolescente) de 13, 14 anos? Fiquei hipnotizada pelos olhos do pequeno. Além de muito simpático, comunicativo, e sensível, ele tinha olhos expressivos, atentos, inquietos. Nunca mais os vi - mãe e filho. Mas, com a mãe, falo sempre. Uma amiga, ainda que distante, querida. Essa noite ela veio me visitar. Ela é uma mulher bonita. Não tipo mulherão. Mas é bonita. Seu olhar, também, sorri, mesmo quando ela permanece silenciosa.  Vinha, então, à minha casa. Era de noite, mas um dia quente. Usava uma saia  longa, de fundo lilás, com flores pequenas. Uma blusa justinha, branca. Um chinelo havaiana. Os cabelos loiros, lisos e curtos, quase secos, recém saídos do banho. As unhas, lon

Fabiana

Hoje entrevistei Fabiana. Apenas mais uma candidata dentre tantas que recebo. Nada de especial nela. Nenhuma roupa, cabelo, sapato, tom de voz, experiência ou competência me chamaria a atenção. Seu olhar me chamou a atenção. Mora em Caxias, com a mãe. Sem filhos, sem irmãos. O pai, falecido de infarto fulminante em 2005.  35 anos, estudante de Administração, último período. Escrevendo monografia sobre algum assunto do qual não me lembro mais. Foi entrevistada coletivamente, junto com outros quatro candidatos.  Postura firme, silenciosa, esguia. É uma mulher alta, magra, vestida de forma sóbria. Cabelos e olhos negros, lisos. Sim, os olhos também lisos. O olhar. Este me impressionou. Desejava ser feliz. Não era. Não é. Não foi o pai, nem a sua morte. Foi o seu nascimento. O de Fabiana. Já nascera assim, com um olhar triste.  A sua vida? Pacata, normal. Nada de feliz, nem triste. Vida normal de subúrbio do Rio de Janeiro.  Fabiana cultivava o olhar triste

Marcos

Conheci Marcos no ônibus.  Sentei lá atrás, como gosto sempre, na janela. Pouco depois de mim, no ponto seguinte, veio Marcos. Sentou ao meu lado, colocou a sua mochila no chão, aos seus pés. É daquele tipo que não olha, não pede licença, não dá boa noite. Nada. Um homem bonito - pode não fazer o tipo de vocês, mas faz o meu. Bem alto (mais de 1,90), cabelo cheio, liso, com poucos e raros fios brancos. Olhos profundos, num óculos de armação preta. Pele branca.  Sério e sem barba.   No dia seguinte, a barba estaria por fazer. Hoje, ainda não.  Tirou o Iphone do bolso da camisa, e olhou o facebook rapidamente, guardando-o, em seguida, no mesmo local. Abaixou a cabeça e assim foi até Copacabana.  Pude ver as lágrimas rolando e pingando na sua calça. Suas costas, curvadas, na camisa de linho amassada, atrás, me davam a impressão de muito trabalho, de muito peso. O choro não era por mulher, filhos, casa, família. Também não sei se era de trabalho. Era um choro i