Três anos

(Escrito em abril de 2015)
AnaZ

Esta é mais uma daquelas cartas. Que você não vai receber, ou ler, ou saber. Verbos que não fazem mais sentido onde você "está". Entre aspas mesmo, porque estar também não é mais o verbo.
Então, a carta é pra gente, mesmo. A gente que está aqui.

Desde ontem - dia 27 - eu acordei com uma vontadezinha de chorar. Uma angústia inominável.
"Porque está tristonha?", uma amiga perguntou.
"Não sei. Acho que cansaço, só".

Até que, aqui no trabalho, precisei planejar o dia de trabalho para o dia seguinte. E o dia seguinte era 28 de abril. Aquele dia.

O seu último dia. 

Eu lembro bem do Nilson (nosso tio Nil), e da Rosa me ligando. 
E lembro da Moniquinha me contando que, após seu último banho, você ainda chamou por mim. Há três anos atrás.
Três anos.

Eu cheguei, lá, há três anos, um tiquinho atrasada. Você já tinha se ido. Já não estava mais ali, naquele corpo frágil e doente. 

A gente colocou as meias nos seus pés, e foi a cena mais linda que eu podia ver a Mônica fazer / dizer: "ela gostava de dormir com os pés aquecidos". E, juntas, vestimos você "com uma roupa confortável" e, também, com os pés aquecidos. Como você gostava. 

Acho que está confortável aí, onde você "está".
De vez em quando sonho com você. 
Dá para matar umas pequenas saudades.
Mas sinto saudades de coisas simples. 
Do seu cabelo macio.
De você se entupir de biscoito Maisena.
De você pedir uma coçadinha nas costas.
Do cheiro da sua pele.
De me chamando de Quinha (só você e André podem me chamar assim).

E sinto saudades de coisas que não vivemos.
Sinto saudades de você conhecer o André. E fazer o bolo de trigo sarraceno pra ele.
Sinto saudades da sua relação com a Hanna. Você queria uma neta mulher. E ela teria o nome de Ana. E eis que eu ganhei a Hanna, que é minha filha e seria a sua neta.
Sinto saudades da Hanna sentada no chão da sala, desenhando pra você, e você quieta, olhando pra ela e colocando o desenho numa moldura e exibindo pra todo mundo depois.
Sinto saudades das tardes dos finais de semana, com você conversando com André.
Sinto saudades de você sentindo saudades do André.
Sinto saudades da gente viajar para Portugal ou para Europa, como você queria fazer, comigo. 
Sinto saudades de experimentar o mar com você. De novo. E de novo.
Sinto saudades do seu bolo de trigo sarraceno. Que eu nunca mais fiz (eu sei fazê-lo ainda?) e nem comi. Não tem mais sentido. Nem sabor. 

Eu sei (ah, como eu sei) que o André foi presente seu. (Já recebi o recado, tá?)
Obrigada por ele.

Obrigada por ter sido minha nave.
A nave se foi e trouxe o amor da vida. Olha que louco, dona Ana Zanelli!

Que você descanse em paz, onde quer que você... (qual o verbo?).
Onde quer que você (sem verbo), que seja de paz. E luz. E saúde. E respiração.

Eu amo você, minha mãe.

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