Cauã

(Escrito em 10 de janeiro de 2016)

Era uma família de cinco. Estavam na praia, bem próximos a mim.

Mãe, pai, uma filha de talvez uns treze, uma filha de talvez uns sete, e ele com uns cinco.

A filha mais velha era adotada. A mãe, já próximo aos seus 30, apesar de seis anos de casada, não conseguia engravidar ("tento desde a lua-de-mel", dizia ela), resolveram adotar. 

Uma menina doce, que vivia no orfanato ao lado da sua casa, ali no Leme. Foi amor à segunda vista. Da primeira vez que estivera no orfanato, estava sem o marido. E, da segunda vez, com eles, ambos amaram a pequena menina, sorridente e sozinha, num cantinho, com suas bonecas. Devia ter uns três anos. Ninguém sabia a sua idade real.

Todo o processo de adoção levou uns dois meses, mas eles iam dia sim - dia não visitar a sua menina. Hoje, ela está com treze e se chama Elisabeth, e está legalmente registrada como filha do casal. É uma adolescente doce, amorosa, e independente. Ama os irmãos. Todos sabem que ela é adotada e esta conversa nunca foi escondida de ninguém: nem dela, nem dos irmãos, nem da família toda.

Ela continuou tentando engravidar, apesar da adoção de Fulana. Era um sonho ver a sua barriga crescer. "Podia ser um menino, quando vier, né?". Podia ser. Mas veio a Beatriz, a Bia. Hoje, ela tem sete. E é um grudezinho com a mãe e a irmã mais velha. Está sempre por perto. Silenciosa, ela só se aconchega e fica ali, coladinha, sentindo a quentura do corpo delas. 

Elisabeth é super afetiva com a irmã e aprendeu a ser silenciosa, como ela.

Mas esta história mesmo é pra falar do Cauã. É o caçula da família. Hoje, com cinco. A gravidez dele foi inesperada. Seu pai foi passar 15 dias fora, a trabalho e, quando voltou, teve aquele sexo doido e maravilhoso com a mamãe. Pronto, grávida de novo. Elisabeth estava recém nascida, mas "vamo-que-vamo". Mais um é sempre bem-vindo!

Apesar da pouca idade, Cauã é o mais independente e livre dos irmãos. A mãe e o pai pouco se preocupam com ele. Na praia (ou em qualquer lugar), ele se desprende da mão dos dois e sai andando, se jogando, dando cambalhotas... Não para chamar a atenção de ninguém, mas é que tem um bichinho livre e feliz dentro dele.

As pessoas, muitas vezes, confundem-no com uma menina - "gosto do meu cabelo assim, mãe, grande". Seus olhos azuis e sua pele bem branquinha e lisa, fazem as pessoas dizerem "que linda... qual o nome dela...?", desde muito cedo. "Eu sou menino, meu nome é Cauã", ele responde, sem qualquer constrangimento ou irritação. 

Hoje, encontrei os cinco na praia. O mar, ele não estava para peixe; e a areia, tinha um pequeno barranco, bem próximo ao mar. Então, dava trabalho descer daquilo ali e chegar ao mar - forte e muito gelado.

O pai estava sentado em uma cadeira, de frente para o mar, observando os filhos e gritando por eles quando vinha uma onda mais forte. "Gente! Pra cá, gente!".

Deitada de bruços, a mãe queimava as costas, despreocupada. Ouvia os filhos com clareza, e espiava Elisabeth vez ou outra. Não era pouco caso com os filhos. Era confiança. E sabia que eles podiam gritar por ela. A cada trinta minutos, ia ao mar com eles, brincava um pouco, e voltava ao seu silêncio. "Meus filhos não dão trabalho", ela dizia sempre.

Elisabeth ia e vinha do mar. Molhava os pés, as mãos, os cabelos, fazia um montinho de areia, e ia e vinha, quieta e sorridente.

Beatriz, deitava ao lado da mãe, de bruços, e encostava sua cabecinha no braço da mãe. Ela sabia que não precisaria chamegar a filha. Estar ali, e sentir a quentura da pele dela era o suficiente para as duas. 

A família levou um daqueles baldes enormes para a praia. Como iam sempre, sabiam que, se o mar estivesse forte, a opção seria o baldinho - "baldão, né, mãe?" - para se molhar e molhar as crianças. 

O baldão estava nos pés da mamãe, cheio de água até a boca. E, dentro dele, um pequenino regador, vermelho. 

Cauã voltou correndo no contrafluxo das ondas. Areia até dentro do ouvido. Pegou o regador e começou a regar as pernas da mãe, deitada. Eu pensei que, com a água gelada, ela levaria um susto, ou brigaria com o filho. Nem um suspiro. Nem um músculo retesado.

Molhou uma perna. Molhou a outra. Mamãe levantou a cabeça, olhou pra trás, deu um sorriso e chamou o filho para perto. Consegui ler nos seus lábios "obrigada, meu amor. Que delícia regando a mamãe... Molha as da Bia também?". 

Cauã fez o mesmo movimento, e a irmã fez carinha de "que delícia" ao ser regada. "Tá bom, irmã?", gritou ele. Ela só balançou a cabeça.

Na hora que a mãe foi no mar, com todos eles, Cauã quis mostrar o que aprendeu a fazer: deu um salto mortal do alto da areia até embaixo. "Olha, mamãe! Olha! Eu quase consigo voaaaar!!!".

A mãe e as irmãs, aninhadas em seus braços, viam o irmão voando, lá do alto, com seus cabelos compridos ao vento. E, em seguida, todos estavam sentados, na areia, na beira do mar, construindo um único castelo que a onda vinha, e desfazia. E construíam de novo. E de novo. E de novo. Até que os construtores voltavam a se ocupar dos outros afazeres de criança. E esqueciam do mar, da areia, dos castelos fantasiosos e dos inconvenientes que a água dissolve.

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