Esmeralda

[Escrito em 20 de abril de 2025]

Era domingo, antes das 11h00, e a fila da padaria estava grande, atravessando todo o lado interno do estabelecimento.

Grande parte das pessoas estavam ali pelo frango. O típico frango de padaria. Meu marido e minha filha, do lado de fora da padaria, olhavam - tal qual cachorros famintos - para os frangos, esperando escolher um mais moreninho que não tivesse dono. 

Eu, do lado de dentro da padaria, na fila do caixa, pois o frango só era entregue mediante a ficha do caixa.

- Você está na fila?

- Estou. A senhora quer passar a frente?

- Não, não. E senhora está no céu.

Olhei para os cabelos integralmente brancos, e o rosto bastante enrugado e pedi desculpas.

Ela me abraçou, me beijou - como se fôssemos grandes amigas que não nos víamos há anos (como de fato é mesmo) e me desejou feliz páscoa.

- Qual é o seu nome?

- Esmeralda, e o seu?

- O meu é Luana. Ali fora, olha, meu marido e minha filha.

Esmeralda acenou de maneira empolgada lá para fora e desejou feliz páscoa para eles. 

Minha família sorriu de volta, em silêncio. 

- Eu estou bem triste. Não estou bem. 

- O que houve, Esmeralda?

- Perdi meu marido, amanhã faz... (pausa) cinco... (pausa) meses...

- Caramba, meus sentimentos. Ele estava doente?

- Estava. E eu estou doente também.

- Ah, não... O que a senhora... o que você tem?

- Alzheimer.

(Eu ia dizer "estimo as suas melhoras", mas só a abracei novamente, sem dizer nada).

- Eu moro ali, na doutor Satamini, número 286. E tenho... (pausa) setenta e seis anos.

- Ah, sei. Bem próximo aqui. E a senhora está ótima pra sua idade!

- Sim, quando quiser me visitar, vai até ali. E você, mora aonde?

- Moro aqui na Barão, do outro lado.

- Ah, não conheço. 

- Não?

- Eu moro aqui há 30 anos, mas quase não saio de casa, só pra vir aqui a padaria, aos domingos.

- A senhora veio sozinha? Quer que a gente acompanhe a senhora até em casa?

- Não. Minha irmã veio comigo, ela está ali fora (e me aponta a irmã, um pouco mais nova).

- Ah, que bom. A sua irmã mora com a senhora?

- Nãaaaao. Eu moro sozinha. Agora, né? Que meu marido me deixou. A minha irmã mora em Bonsucesso. E tenho outra, que mora em Santa Cruz da Serra. Essa que veio é a de Bonsucesso. Ela é freira. 

- Caramba, ela vive no convento? 

- Sim, há mais de 40 anos. 

- Caramba, que idade ela tem?

- Não lembro. Sessenta e cinco. Sessenta e cinco, isso. Mas a gente não se casa.

- Não entendi. Vocês não o quê?

- A gente não se casa, sabe? Não se dá muito. Ela vem cuidar de mim aos finais de semana, mas eu sei me virar. Eu saio muito sozinha... Não preciso dela não. Ela é muito chata. Assim. Vou te falar. Eu queria arranjar um novo companheiro, pra me levar pro forró.

E dona Esmeralda se agarra em sua bolsa, como a um companheiro, e começa a dançar forró no meio da fila da padaria. 

As pessoas riem dela. E ela sorri de volta.

Eu pago o meu frango. Dona Esmeralda paga o dela - nós duas vamos comprar os nossos frangos.

Saímos da padaria juntas. Ela me apresenta à irmã - mais tímida e menos falante que ela.

- Aqui, minha amiga Luana, que quer te conhecer.

- Como vai a senhora? A sua benção.

A senhora-irmã-de-Esmeralda-e-freira-sem-o-hábito sorri pra mim e imediatamente olha furiosa para Esmeralda, como se ela tivesse contado o segredo da irmã pra mim, que estava sem o hábito.

- Que Deus te abençoe. 

- Feliz Páscoa, dona Esmeralda. 

Dona Esmeralda me abraça forte, me beija, acena para o meu marido e minha filha

- Eu quero o bem moreninho, hein? Pica direitinho pra eu levar que esse vai ser meu almoço!

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