Lorelay
Lorelay nunca gostou do seu nome. Apesar de nunca ter sofrido bullying na escola por causa do nome diferente, sempre foi chamada do nome completo, pela família. Com os erres e ípslons. Lo-re-lay.
Não sei bem a sua idade hoje. Na aparência, parece mais jovem. No mundo de dentro dela mesma, parece mais velha. O que, das duas formas, é ótimo mesmo.
Nasceu numa família tradicional mamãe-papai-vovô-vovó da Zona Norte do Rio. Estudou em escola pública, e sempre foi uma boa aluna. Entrou pra faculdade e a vida seguiu, tudo bem.
Conforme foi ficando adulta, os amigos a chamavam de Lore. Ou de Ló, apelido que ela odeia, mas é incapaz de dizer que odeia. Dá um sorriso amarelo e segue.
O que muita gente não sabe é que Lorelay - estou gostando de chamá-la assim, de nome-inteiro assim.
Vou abrir um parênteses aqui. Ao falar de nome inteiro, preciso dizer: apesar dos vários apelidos, Lorelay não tem vários nomes. Ela é inteira. Como nome-inteiro mesmo.
Mas fechando o parênteses e voltando é que, pouca gente sabe, mas Lorelay tem um apelido que ela se deu. Love. Sempre a chamaram de Lore. Os íntimos. Até que um dia, uma amiga foi a chamá-la de Lore, e o ato-falho-do-erro-de-digitação-do-whatsapp digitou Love e "send". Virou Love pra esta amiga.
Na night, se alguém pergunta seu nome, ela diz "Love".
- Love? Mas tipo amor, em inglês?
- É, tipo amor em inglês - prendendo o riso
(Eu nunca mais vou ver essa pessoa mesmo, deixa ela achar que meu nome é Love).
E, na night, Lorelay era Love. E assim foi ficando, e ficando, e ficando.
A família não sabe. Os amigos da igreja da mãe, não sabem. Eles ficariam chocados, e diriam que isso não é de Deus. Que nome lindo ela tem, pra querer ter um nome assim, inglêzado, inventado! Love daria as suas gargalhadas e sairia andando, em silêncio.
O que pouca gente sabe é que Lorelay, assim como seu nome, é pouco convencional. Os desaviados poderiam perguntar de Lorelay se ela gosta de meninos ou de meninas.
Love, como boa silenciosa, não se daria ao trabalho. Nem à indelicadeza de ter que explicar. Dá um sorriso e segue.
Love já teve namorados meninos. Gosta dos magrelos e cabeludos. Já teve namoradas meninas. Gosta de todas. Já teve namorades trans. Gosta também.
- Gosto de pessoas - ela diria. - De todos os tipos. Meninos. Meninas. Trans. Magros. Gordos. Altos. Baixos.
O que é mais importante pra Love, ela diria, não é gênero. Ou corpo. É energia. Conexão. Conversa. Diálogo. Ter uma conexão assim. Sabe como é? Conexão. Conexão não se explica. Você me entende?
Entendo, Love. Entendo sim.
Em casa, Lorelay continua sendo Lorelay. A filha amorosa, tímida, engraçada, e conversadeira. Gosta dos bichos. Das crianças. Dos primos mais novos. É capaz de sentar à mesa e ver a família dialogar e brigar e ficar em silêncio. Só observando.
É uma menina-mulher presente. Onde ela está, ela está. Não pela metade. Nunca pela metade. Mesmo quando Lorelay se veste de Love (e não é travesti, nem dupla personalidade, mas quando ela se permite viver a sua sexualidade de forma inteira e plena), ela é inteira. Plena.
E é isso o que Lorelay espera das relações. De qualquer uma delas. E viver esta vida secreta, dentro dela mesma. Saber que mora uma Love dentro da Lorelay, ali, no almoço de domingo, com pai-mãe-vovó-vovô, é algo que ela sente vontade de rir. Acha um engraçado gostoso. "Ah, se eles soubessem..."
Mas eles não sabem. Nem precisa. Lorelay-Love é livre. Liberta. Do outro e para ela mesma.
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Dias desses, conversando com Lorelay, despretensiosamente, ela me pediu um presente de Natal. Uma foto, ela disse. Eu espero que Lorelay não fique brava comigo de eu ter tirado uma foto assim, meio dupla. Meio Lorelay e meio Love. Meio vestida e meio nua.
É que essa liberdade dela(s) me faz feliz de admirar e poder fotografar.
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