Lia

[Escrito em 11 de maio de 2025]

Meu nome é Lia. Tenho 67 anos.

Estava sentada do lado de fora do Norte Shopping. Saída G3. Estava esperando o Lucas, meu filho mais novo, de 26 anos.

Sentou uma moça do meu lado com a filha. 

Tá molhado aqui?

Aqui na frente não. Senta aqui.

E ela sentou bem ao meu lado. 

Mostrei pra ela a flor que eu fui comprar. Custava cinquenta reais. Não pago. Aí a moça me deu a dica que aqui embaixo a mesma flor era vinte. Aí fui lá e comprei. Vinte reais. 

Ela me desejou feliz dia das mães, e eu disse que hoje não era um dia feliz. 

E contei a história do Luan, meu filho. Vou contar pra vocês. 

Meu filho Luan tinha 36 anos. Trabalhava de Uber.  Dia 14 agora faz onze meses. Ele se foi.

Ela ficou espantada e perguntou como ele tinha desencarnado. Usou até esta expressão, que eu não conhecia.

Assassinado. Levou um tiro no tórax. Estava trabalhando. Em Pilares. Levaram o carro, o celular. E deram um tiro nele. No tórax.

Meu Deus, ela disse. 

Levei dois dias para saber. Meu outro filho e a minha prima, que é advogada, foram ao IML. Não consegui ir. Mas graças a Deus consegui enterrar o meu filho. E o meu filho de vinte e seis ficou só comigo. Lucas o nome dele. Tem vinte e seis anos.

Aí mostrei a flor que eu comprei. Vinte reais. Na outra loja era cinquenta. Não dou.

Luan, meu filho mais velho, se foi. Assassinado. Tiro no tórax. Ele era Uber. Dois dias depois que acharam o corpo. 

Ficamos ali conversando. Falei que moro ali em Pilares. Na rua Conselheiro Zenha. Só não dei o número.

Perguntei se ela conhecia. Ela não conhecia. 

E contei do meu filho, que morreu. E do outro, que está vindo e vou esperar por ele. Vou no Carrefour, comprar umas coisas e vou pra casa. 

Ela me perguntou se eu vim sozinha.

Não. Não vim sozinha. Vim com o Lucas, meu filho mais novo, de vinte e seis anos. O mais velho morreu, assassinado. Um tiro no tórax. Moramos só os dois agora. Eu e Lucas.

Contei do meu marido. Há mais de vinte anos, ele saiu de casa e nunca mais voltou. Foi dado como morto. Esperei por ele por mais de dez anos. E nada. A juíza deu ele como morto e recebo a pensão dele. E sou aposentada. Trabalhava como professora de matemática na escola ali na Vinte e Quatro de Maio. Sou aposentada. E trabalhei ali muitos anos. E a aposentadoria do meu marido falecido. Dado como morto. Meu filho não. Consegui enterrar ele. Luan o nome. 

O Uber dela chegou. Ela perguntou meu nome.

Lia, eu disse. Quantos anos você me dá?

Ela não soube responder 

Eu tenho sessenta e sete anos, eu disse. 

Não parece... Ela disse. 

Pois é. 67. Mas estou bem. Estou indo na psicóloga e tomando remédio pra depressão. Consegui sair de casa. Sair da cama, né? Viemos ao shopping, eu e Lucas, meu filho que está vivo. O outro morreu. Tiro no tórax. 

Ela precisava sair e se despediu. 

Eu me despedi e disse pra ela ter cuidado com o Uber. O meu filho foi assassinado. Luan. Tiro no tórax. 

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