Alice
[Escrito em 09 de outubro de 2025]
Era uma quarta chuvosa. Metrô da Carioca, na plataforma. As vi de longe. Mas perto o suficiente para ouvir o diálogo.
Ela lia, quieta. Estava sentada nos bancos de idosos, aguardando o seu metrô. Parecia compenetrada no livro. O barulho do entorno parecia não a incomodar. Seus barulhos internos eram mais intensos? Talvez.
A outra veio e sentou ao lado, igualmente quieta. Um olhar atento, curioso.
A que lia, travou a leitura para pegar algo na bolsa.
- Qual livro você está lendo?, a que chegou e sentou perguntou, como se fossem amigas de longa data.
- "A humilhação", de Philip Roth, e mostrou a capa para a outra.
- Posso anotar?, perguntou.
- Claro, quer uma caneta?, ofereceu.
A outra já tinha pego um pequeno papel de dentro da bolsa, e aceitou a caneta.
- Me empresta o livro, pra apoiar e ler o nome do autor? Não o conheço...
- Gosto muito deste autor, e já li outras coisas dele.
Para um metrô na plataforma.
- Mais um Pavuna? Dois Pavunas seguidos?, a que anotava perguntou.
- Sim, esta hora são dois Pavunas para um Uruguai. O Uruguai vai vir cheião...
- É mesmo? Dois Pavunas pra um Uruguai?, a outra que anotava, não sabia.
Vai vir bem cheio o Uruguai, a que lia preocupou-se.
A que anotava, acabou de anotar e se enrolou devolvendo o papel anotado, e não a caneta, o que fez as duas rirem.
A que anotou, comentou que fazia parte de alguns Clubes do Livro e contava sobre o que tinha lido recentemente. Inclusive, um Clube do Livro feminista. E todos os livros recentes que tinha comprado.
- Este livro mesmo, ganhei do meu marido. Compramos num sebo aqui pertinho do metrô, o Berinjela...
- Ah, eu conheço o Berinjela, do Daniel e da Sylvia... claro... Tem outros sebos muito bons, na Avenida Passos, e também no Catete, você conhece?, pareciam grandes amigas conversando.
- Sim, conheço estes, adoramos sebo lá em casa, vamos sempre.
Aquela que lia, já havia guardado o livro.
Pronto, o Uruguai estava se aproximando da plataforma e a que lia preocupou-se de estar lotado. A que anotava, permanecia sentada.
- Será que a gente consegue entrar?, a que lia perguntou, levantando.
A que anotava, levantou rápido - apesar de aparentar quase seus oitenta anos, pegou a que lia pela mão, e saiu conduzindo-a metrô adentro.
- Conseguimos, ela disse, já dentro do vagão, que, apesar de lotado, tinha espaço para as duas.
- Achei um lugar para sentar, a mais velha disse.
- Qual o seu nome?, a mais velha perguntou.
E, antes que a que lia pudesse responder, ela correu em direção ao seu lugar disponível e disse, de longe: meu nome é Alice! Porque mamãe também adorava ler e escolheu por Alice no País das Maravilhas. Não é lindo?
Alice jogou um beijo de longe para a que lia. E, esta que lia, decidiu não ler mais na viagem, e ficar recebendo aquela doçura de Alice.
Já sentada, Alice pegou o seu livro de dentro da bolsa, tirou os óculos para perto, e recomeçou a sua leitura, sempre com um meio sorriso no rosto. Enigmático e doce, como são todas as Alices.
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