Germano

Conhecemos Germano ontem, na Lapa. Conhecemos porque ele foi fotografado a quatro-mãos. 

Germano não estava só, mas das vezes que foi fotografado, sim. 

É um homem bonito, de olhar e alma (e o sorriso?) limpos, bonitos. Vestia blusa branca, de malha, bermuda, tênis. Usa dreads no cabelo e é barbado. Tem um olhar penetrante, profundo. Achamos, inclusive, que ele namorava a moça da banda, que tocava no bar, pela forma como ele olhava para ela. O seu olhar, além de contemplador, era um olhar afetivo, calmo, do bem.

Germano tem 32 anos, e mora em Santa Teresa, numa casa grande e antiga. É botânico - e pesquisador - do Jardim Botânico. Já trabalhou no Burle Marx e em outros locais. Ele gosta, mesmo, de trabalhar no JB, de conhecer, estudar, plantar e replantar plantas. 

Ele não é do tipo que conversa com as plantas e árvores. Acha isso infantil, até. Germano sente a energia das plantas - e da natureza - e gosta da troca que ocorre no seu trabalho. Ele sai, sempre, renovado destas relações. Seu trabalho - e a natureza - o faz muito feliz. É isso que o faz ser inteiro.

Suas relações sempre foram muito satisfatórias e sempre aconteceu essa troca de energia. Com seus pais era assim. Com seus amigos. Com as pessoas que conhece ao longo da vida. 

- Eu só me relaciono com quem troca. Eu aprendi isso desde cedo, e assim é. - dizia ele.

Germano conheceu Isabella no seu trabalho. Ela ia, sozinha, ao Jardim Botânico, meditar, por entre as árvores, pelo menos duas vezes por semana. E, com isso, começaram tomando café, almoçando juntos ali por perto, conversando sobre a planta e a natureza, até ter o primeiro beijo, o primeiro toque, o primeiro sexo. Em 7 meses, estavam morando juntos. 

Germano era um homem apaixonado por Isabella. Ele a chamava de Isa ou de Bella, nunca de Isabella. Isabella, por sua vez, era uma mulher - apesar de meditativa - inquieta, inconstante. Era jornalista, e trabalhava de forma freela, escrevendo algumas matérias. 

Germano e Isabella viveram juntos por quase 3 anos. A relação sempre foi de troca, sempre teve muita energia. Apesar de casados - como ele fazia questão de dizer -, Germano e Bella eram grandes amigos. 

Ele aprendeu a meditar. Ela aprendeu a silenciar ao estar com as plantas. Ele aprendeu a cozinhar. Ela aprendeu a ficar quieta. Ok, nem sempre. 

Viajavam juntos, liam os mesmos livros, passeavam de mãos dadas, passavam as mãos pelos cabelos um do outro, se olhavam olho-no-olho um do outro. 

De uns tempos para cá, Bella vinha estando cada vez mais enigmática, cada vez mais silenciosamente triste. Germano perguntava, quando dava. Nem sempre dava, e ele também ficava silenciosamente contemplativo.

- Isa, o que você tem, minha bella?
- Nada, Germano.
- Tá acontecendo alguma coisa, Isa. Divide comigo, minha linda. Sou teu marido, teu amigo. Eu te amo.
- Eu também te amo, mas não é nada. Estou, apenas, cansada.
- Vamos viajar?
- Pra onde?
- Não sei. Pra qualquer lugar. Pra onde você quer ir?
- Daqui há quinze dias vou ter que ir a SP fazer uma matéria. Volto no dia seguinte. Vai ser rápido.
- Matéria sobre o que?
- Juliana ficou de me passar. Vou estudar ainda. Vou entrevistar um sociólogo, que tá vindo da França. Preciso estudar o cara ainda. 
- Você quer que eu te leve? Podemos ir de carro.
- Não. Eu vou de avião. A agência tá pagando. Não se preocupe, no dia seguinte estarei em casa. Só uma noite fora.
- Eu gostaria que você fosse, mas que você fosse bem. Você não tá bem.

Ela olhou pra Germano, com um sorriso que não chegava a seus olhos:

- Tou bem, meu amor. Vou tomar um banho. Vamos jantar?
- Vamos.
- Eu cozinho um macarrão ao pesto pra gente.

Isabella demorou mais que o habitual no banho, e Germano já tinha preparado o jantar dos dois, regado a um vinho tinto delicioso. Mesa posta, comida quase pronta, vinhos na taça.

Jantaram, conversaram, viram um filme irlandês na TV, fizeram um sexo. O de sempre, nada muito novo e fora da rotina. 

Germano continuava olhando-a nos olhos, tentando desvendar o indesvendável. "Não tinha nada", ela dizia. "Tinha tudo", ele via nos olhos dela. Ele continuava amando-a igual. Ela, também, ele (e ela) achavam.

No dia 9 de abril, 3a feira, era o vôo. Ele levou-a ao aeroporto, de carro, antes do trabalho, de manhã cedinho.

- Me liga quando chegar, Isa?
- Te mando um SMS.
- Tá bom.
- A Juliana vai estar me esperando em Congonhas e, se ela estiver com a equipe, não vai dar pra falar muito. Vai ser rápido, não se preocupe.
- Não estou preocupado com o tempo.
- Com o que está preocupado, Germano? - Bella era quase agressiva, inquieta.
- Eu te amo, Isabella.
Ela o beijou, calmamente, e com ternura. Olhou-o nos olhos. Mas não era mais o mesmo olhar. 

Isabella nunca mais voltou. Nenhum SMS. Nenhuma ligação. Nenhum e-mail. 

Ontem, era a primeira vez que Germano saía, após a partida de Isabella. Seu olhar, no entanto, ainda tinha ternura. Na sua alma, ainda pulsava energia e inteireza. 

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