Leonardo e Gabriela, o casal
Este
conto é sobre Leonardo e Gabriela, um casal de amigos.
Leonardo
eu já conheço há uns 10 ou 15 anos. Meu melhor amigo. Daqueles amigos de se
falar todos os dias, de cuidar um do outro, de brigar e ficar meses separados,
e morrendo de saudade, e não dando o braço a torcer. Amigo de aplaudir as
conquistas. Amigo de dar broncas feias. Amigo de falar besteira. Amigo de não
falar nada, de ficar em silêncio, longe ou perto. Amigo de dizer, na hora de
mais dor: “te amo, tou aqui”.
Leonardo,
hoje, tem 38 anos, e é o mais velho de 3 filhos, da dona Martha, aeromoça. Não
chegou a conhecer seu pai e, como a mãe viajava muito, Leonardo era criado por
quem estava disponível. Ficava em casa (na Tijuca), com a empregada – dona
Chica, empregada de anos da família – ou com tios, avós, padrinhos. Leonardo se
dava bem com a mãe, mas quando a via, o que era raro para uma criança de 5
anos.
Leo
não gosta de ser chamado de Leo, mas eu sou amiga e posso. Acabou tornando-se
um menino calado, pacato, tímido, na sua. Muito inteligente, com um vasto mundo
interno, mas ele interagia com ele mesmo, e com seus personagens imaginários.
Brincava com os irmãos, quando estes nasciam, mas não tinha muita paciência
para com os menores. Gostava mais dos irmãos, pois podia ter a sua mãe por
perto, do que, exatamente, por existir um amor dele pelos irmãos.
Hoje,
Leo é engenheiro de produção, e trabalha na Odebrecht, em grandes projetos.
Mora na Urca, sozinho, e vai pro trabalho de bike. De terno e bike. Tem carro,
que usa para viajar, nos finais de semana, ou botar os afilhados no banco de
trás e fazer o passeio de domingo – praia, restaurante, zoo. Ou pra ir à praia,
ou viajar pra locais próximos, aqui pelo Rio.
Gosta
muito da sua profissão e, quando pode, fotografa nas horas livres. Sempre
gostou de fotografia e, hoje em dia, ganha dinheiro com isso, também.
“Fotografo tudo, menos festa de casamento, festa de 15 anos, e noivos no Jardim
Botânico”. Leonardo sabia ser ácido. Ele gostava de novos olhares sobre a
perspectiva comum e mundana. Gostava de fotografar mães-e-bebês, animais e
jogos – futebol, vôlei, e até tênis. E as paisagens. As fotos dele eram muito
lindas. Os clientes ficavam encantados.
Falemos
de Gabriela, portanto.
Esta,
eu conheço pouco. Estivemos juntas duas ou três vezes.
Gabriela
tem 30 anos, e mora em Ipanema, com a mãe. É filha única, formada em Publicidade.
Sempre foi vitima de muito preconceito pois, seus pais, de classe média alta,
sempre tiveram dinheiro, e ela era taxada como a Paty, coisa que ela nunca foi,
pelo contrário. “Meu cabelo liso, loiro, e o fato de eu ter carro aos 19 anos
não faz de mim uma paty”, dizia ela pras amigas mais íntimas. “Fico puta com
isso, porque a galera me fecha com uma categoria e eu não posso ser nada além
daquilo”.
Gabriela
podia ser uma criança mimada, mas não era. Sempre foi – e gostou – da sua
independência. Os pais tinham dinheiro e ela, claro, usufruía. “Eu dei sorte,
gente! Mas não sou uma deslumbrada!”, mas isso não a tornava uma pessoa melhor
ou pior. Ela era uma menina – com dinheiro, ou “conforto”, como ela dizia –
consciente. Não era deslumbrada, riquinha.
Gab
gostava de ser chamada sem o “i” (Gabi) ou “y” (Gaby). “Meu Gab é com B mudo,
de Bonita”, dizia ela, as gargalhadas. “Gabi ou Gaby é até os 9, né? Com 30 não
dá. Tem que ter personalidade!”, dizia ela, séria, escondendo o sorriso.
Profissionalmente, era Gabriela Sarmano, com nome e sobrenome. Não tolerava ter
apelidos nos negócios.
Gab
chegou a se formar em Publicidade e trabalhou em algumas agências, logo que se
formou. O pai tinha um negócio e ela acabou tocando o negócio com ele, o que
fez o seu velho Eliseu deixar tudo nas mãos da filha: “Gab tem tino pra coisa”.
Até hoje não sei bem o que é o negócio, mas a menina é tinhosa, fez o negócio
crescer e, hoje, administra o negócio do pai, investe o dinheiro dele, presta
contas. O pai criou uma filha e uma empresária de sucesso. Agora, ele podia
descansar, na casa da família, em Friburgo. O seu velho Eliseu vinha 1 vez por
semana, ao RJ, ajudando Gab no que fosse preciso, nos negócios, dando uma vistoria
na casa, um beijo na ex-esposa (eles sempre se deram muito bem, mesmo após
separados), almoçava e, no fim do dia, voltava pra Friburgo.
Leo
conheceu Gab não sei bem como. Eles me contaram, mas já esqueci.
Estive
com ambos na praia, da Barra. Leo passou aqui em casa, de carro, me pegou.
Passamos em Ipa, pegamos Gab e fomos. Conheci a Gab, portanto, no carro do
namorado DELA. Tensão, né? Vai que a moça seja ciumenta? Vai que a moça é uma
chata? Ir à praia na Barra, com um casal de amigos, quando se é conhecida do
homem do casal é um risco que se corre.
-
Deixa de ser louca. Você vai amar a Gab. Já falei pra caralho de você pra ela,
sua desequilibrada.
Amizade
de 15 anos te permite alguns adjetivos “fofos”.
-
Sei lá, Leonardo. E se eu ficar segurando vela, cara?
-
Vela só se segura até os 20 anos, Luana. Quantos anos você tem?
-
Ok.
-
Cala a boca que estamos chegando. Seja simpática.
-
Você não me acha simpática, Leonardo Furher?
-
Claro que não.
Gab
entrou no carro, e estávamos os dois, às gargalhadas.
Tascou
um beijo no Leo e se debruçou, pelo banco de trás, e me fitou, com seus olhos
grandes e expressivos.
-
Oi Lu.
-
Oi Gabriela.
-
Gab.
-
Gab, ta.
Fomos,
no carro, ouvindo Marisa Monte, Lenny Kravitz, Jack Johnson, Jason Mraz e, claro,
os três cantando. Leonardo mais contido:
-
Preciso me concentrar, vocês duas não estão ajudando.
Na
praia, já estávamos íntimos.
Gab
tirou uma pequena bolsa térmica, com amendoim, castanhas, e um espumante,
gelado.
-
Ó, o presente daquele cliente, amo-or.
Eu
vim voltando dirigindo o carro, pro casal beber em paz. Corrigindo: tentei
voltar dirigindo. Leonardo é um co-piloto exigente. E com um carro daqueles,
até eu seria.
Na
praia, conversamos sobre televisão, sobre gente, sobre o mar, sobre as pessoas,
sobre cada um de nós.
Gab,
mais do que os olhos vivos, é uma menina iluminada, feliz, da paz.
Foi
muito lindo ver, nas poucas horas que estivemos ali, como um cuidava do outro. Mesmo embaixo da barraca, um passava protetor no outro, mesmo nos locais onde
cada um poderia passar sozinho.
Consegui
ver um afeto sincero, mas não meloso, não “amorzinho”, não “benzinho”, não “vem
comigo no mar?”.
Eles
se brincam, se sacaneiam, tiram o cravo das costas um do outro. [Até os chiques
têm cravos, como a Gab].
-
Ele é paranóico, Lu.
-
Você tem que cuidar, Gabriela. Vai que isso seja um câncer?
-
Câncer, Leonardo? Pára de beber, cara!
-
Você já foi ver esse pontinho preto?
-
Isto é um cravo, Leonardo. Cra-vo!
-
Nas costas?
- No
corpo todo existe cravo.
-
Eu vou ver depois um dermatologista e marco pra você, Gab.
-
Tá bom, Leo... ta bom...
E
Gab me olhava, e fazia aquela voltinha, tipo: “louco”.
Eles
alongavam a perna do outro [eles corriam, nessas corridas do Aterro], e se
beijavam e se amavam sem nem precisar se tocar os lábios. O olhar dos dois
dizia isso. Dizia “eu te amo” sem precisar abrir a boca. Isso era o mais lindo.
Existia muita coisa dita naquele silêncio.
Gab
mexia no cabelo, enrolava pra cá e pra lá.
Leo
se coçava. As pernas, a barriga, os braços.
Os
dois estavam – estão – juntos, mas são, também, seres individuais, livres. Isso
ficou claro – e muito belo – para mim.
Depois,
fomos almoçar, antes de voltarmos pra casa. Comeram um bife acebolado, com
muita coca-cola e, por baixo da mesa, as pernas dos dois entrelaçadas. Eu
fiquei na saladinha.
Saímos
da Barra já com o dia escurecendo.
-
Lu, borá pro barzinho com a gente?
-
Barzinho, Gab?
-
É? Vamos?
-
Claro que não, querida. Vai curtir seu namorado.
-
Ah, mas eu curti você também, poxa.
-
Eu entendi, Gab., mas eu já tou o dia inteiro com vocês. Eu vou pra casa,
descansar, dormir, fazer nada. E vocês, vão se curtir, oras.
-
A gente se curte, né, Leo?
-
É, a gente se curte.
Ele
era sério, monossilábico, observador.
-
Grosso.
-
Oi?
-
Tou falando que você é um grosso.
-
Tou prestando atenção na Luana dirigindo meu carro, Gabriela. Preciso me
concentrar.
Caímos,
as duas, numa gargalhada, que fez Leonardo dar um meio sorriso e, cinco
segundos depois, explodir na gargalhada junto.
-
Prestenção, porra! Se bater esse carro te enfio a porrada.
-
A Luana dirige melhor que você, Leonardo.
-
Como você agüenta esse ser humano, Gabriela?
-
Ele é insuportável, né, Lu?
-
Demais.
-
Mas a gente ama ele, né?
Eu
tirei a mão do volante e fiz um carinho no rosto dele, dizendo “amo”. Levei um
susto tão grande com a sua cara que quase bati, de fato, com o carro.
-
Aí, ta vendo? Vocês ficam de “eu te amo”, e faz merda. Eu te amo, Gab, mas
vamos prestar atenção que aqui é difícil, ó. Lu, liga a seta, pega aí, ó, ta
vendo?
Parei
na minha casa, e Leonardo seguiu dali, para a casa dele, com a Gab. Gab mandou
um whatsapp quando chegaram na Urca, pra me dizer se tava tudo bem: “Chegamos,
Lu! Tudo certinho! Vamos nos ver de novo. Beijo, da Gab e do Leo!”.
Eu
não sei do resto do dia dos dois.
Mas,
se eu puder desejar alguma coisa pro resto de todos os dias é que os dois
estejam juntos, plenos.
Que
essa inteireza que eu vi na relação, que essa cumplicidade, respeito, carinho,
amor e cuidado permaneçam.
Que
eles possam tirar os cravos um do outro, alongar as pernas.
Que
não precisem dizer que “te amo”, pra saber que se amam.
Que
Gab possa fazer do Leo um homem melhor. Que ele mesmo se permita isso.
Que
Leo possa fazer da Gab uma mulher ainda mais iluminada e feliz. Que ela não
perca a sua luz e alegria, independente do Leo.
E
eu, claro, desejo assistir, de camarote, este amor lindo.
Hoje,
passando pela rua, vi Gab malhando. Estive em Ipanema pra resolver umas coisas
e vi a moça na BodyTech, no transport.
Ela
não me viu. Mas eu vi a namorada do meu amigo, de olhos fechados, concentrada,
com o fone de ouvido, sorrindo – aquele sorriso bobo -, e cantando alguma coisa
que tocava.
Na
hora, eu pensei: que bom que ela pode ser luz e alegria mesmo quando sozinha.
Eu
podia bater no vidro e dar um “Oi”, jogar um beijo.
Mas
Leo podia estar dentro do pensamento dela, e eu não queria interromper o casal.
Eu podia ver os dois, mesmo quando não estavam juntos.
Todo
o amor, todos os dias, para esse casal lindo.
[O
meu obrigada, ao casal, da vida real, por deixar ser fotografado por mim].
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