Henrique

Já conhecíamos Henrique, da praia. Mas, hoje, ele pediu pra ser fotografado.

Henrique tem 48 anos - embora pareça mais -, mora em Austin (Nova Iguaçu), e é separado da esposa e filhos. É mulato, com poucos dentes (os da frente já se foram), e cabelo e barba crespos e grisalhos. Ele não tem dinheiro pra cortá-los então, crescem mais do que deseja, dando-lhe uma aparência mais suja do que, de fato, ele teria.

Mora no quarto dos fundos da casa de uma tia velha. Sempre teve problemas com álcool e, por isso, acabou separando-se. A mulher, um belo dia, saiu porta fora, com os três filhos:

- Estou indo pra casa da minha mãe, em Belford Roxo. Só volte se parar de beber. Você é um bêbado, Rique!

Esse diálogo aconteceu já faz mais de 7 anos. Henrique nunca mais viu a esposa, os filhos, e sequer parou de beber, pelo contrário: afundou na cachaça ainda mais.

Não tinha como pagar o aluguel da casa de dois quartos, na Pavuna, onde vivia com a Brenda Maria (sua Brendinha). Entregou a casa para João Roldão, seu senhorio, e, com uma mala de roupas na mão, foi procurar onde morar. Dormiu duas noites na rua, e lembrou-se da tia Ismênia, velhinha de quase 80 anos, em Austin. 

Foi para lá, sem avisar, pegando carona nas kombis, perguntando a um, a outro, chegou à rua da tia Ismênia. Bateu de porta em porta, até achá-la. A última vez que tinha estado ali foi há mais de 20 anos. Não foi difícil os vizinhos ajudarem-no a achar a casa certa.

- Tia, sou o Henrique, filho do João e da dona Francisca, lembra de mim?
- Lembro sim, meu filho. Como você está? Tá sujo... Cadê Bruna Maria?
- Brenda Maria. Ela foi embora, tia. 
- E as criança?
- Foro tudo co'ela.
- E você?
- Eu posso morar c'a senhora?
- Pode sim. Tem um quartinho nos fundos. Você só me ajuda com a conta de luz? Sua tia tá velha e não consegue mais costurar.
- Ajudo sim, tia. Vou arrumar um trabalho.

Henrique ainda ficou um ano sem conseguir emprego, só conseguindo uns bicos de de pedreiro, de pintor, de carregador de mercadoria... mas, quando vinha bêbado para o trabalho...

- Não precisamos mais dos seus serviços. Amanhã não venha mais.

E assim era Henrique.

Há cerca de 5 anos, conseguiu um emprego na Praia do Leme, com o Lima, amigo do Jorge, que os apresentou. Henrique trabalha na barraca do Lima, toda 6a feira, sábado, domingo, e feriados. No carnaval e verão, trabalha todos os dias. 

Ganha bem, pouco mais de um salário mínimo, e consegue ajudar a tia com a luz, as contas do mês, a sua passagem, e uma cachacinha por dia. 

Lima e seus colegas de trabalho nunca tiveram problema com o seu álcool e ele é feliz assim, trabalhando na praia, lugar de gente bonita e feliz.

Henrique leva e traz as cadeiras, o coco, a água, e liga e desliga a bomba d'água. Sempre foi um homem honesto e, apesar de vender cerveja e cachaça, nunca bebeu um gole no trabalho.

- Eu, apesar de pobre, preto e feio, nunca precisei roubar nada não senhora. Minha mãe criou a mim e a meus irmão tudo muito correto. Posso fazer uma experiência c'a senhora, p'á senhora vê se eu sô bom. Se eu não fô bom, a senhora diz.

Essa conversa foi com a Clara, esposa do seu Lima, sua patroa. Ela preocupou-se com a aparência e jeito bêbado de ser de Henrique, mas, hoje, são grandes amigos.

Hoje, chegamos na praia, na Barraca do Lima (nosso canto de sempre), e Henrique veio nos receber.

- Bom dia!
- Bom dia, tudo bom?
- Tudo ótimo. Duas cadeira?
- Sim, por favor.
- Vou pegar duas novinha pras freguesa. 
- Muito obrigada.

Íamos pegar as cadeira.

- Nada disso. Deixa que eu levo p'a senhora.
- A gente leva, obrigada.
- Eu gosto de tratar as freguesa bem - dizendo, sério.

Caminhamos até a beirada do mar - ele sabia onde gostávamos de ficar.

- Aqui está bom, assim, perto da água?
- Tá ótimo, muito obrigada.
- Qual o nome das senhora?
- Luana e Thaís.
- O meu é Henrique, seu criado.
- Muito obrigada, Henrique.
- Eu é que agradeço o prazer de servi-la. Meu prazer é servir bem as minha freguesa. Se as senhora quiser uma água-de-coco, um refrigerante, uma cerveja, é só pedi! Eu venho aqui trazê pras senhora.
- Obrigada, Henrique, não queremos nada não.
- Obrigado as senhora. Boa praia.
- Bom trabalho, Henrique.

Pela aparência feia e bêbada, os clientes sequer olhavam para Henrique. Todos os dias ele trabalhava bêbado. Todos os dias!

E estar bêbado era a sua forma de se proteger também. Henrique repelia contatos, repelia gente. Era como ele se defendia. 

Quando alguém o olhava no olho, do lado de dentro - sem ver pele, barba, cabelo, ausência de dente -, ele olhava, também do lado de dentro e podia fazer o que mais gostosa: servir o outro, com dedicação e amor.

[O agradecimento a Thais, por ter me feito enxergar Henrique].

[O agradecimento a @Edu_bfr e @JairolSantos, por terem me ajudado na construção de Brenda Maria].

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