Quinho e o menino

Todos - quase todos - sabem que minha praia é minha igreja. É lá que me sinto inteira. É lá que me renovo para a semana, para a vida, para mim mesma. É lá que fotografo gente - as que podem (e pedem para) ser fotografadas.

É lá que me torno inteira com Tha e com Quinho. Tha é amiga muito, muito querida. Quinho, diriam os mundanos, é apenas um fornecedor de mate (daqueles de galão). Mas ele é, também, nosso amigo. E, quem tem o prazer de ser seu amigo, aprende muito com ele. 

Ele assiste canais sobre animais. Ajuda os gatinhos filhotes da laje da comunidade a acharem a mãe. Dá cachorrinhos de pelúcia para sua pequena filha, quando, na verdade, queria ter cachorros de verdade, que pudesse cuidar. Ele conta a sua história, sempre, todos os domingos. Ouvimos, sempre, atentas. Ele nos deixa o mate com um pingo de limão. Deixa, também, o brilho no nosso olhar.

Ele nos trata pelo nome, deixa o galão no chão, para descansar, conta da sua semana, pergunta da nossa. Às vezes, achamos que ele tem uma vida sofrida. Não tem. Quinho é feliz. 

Hoje, mais um domingo de pouco sol, praia vazia, o futebol mais perto do que gostaríamos. 

Quinho vem, pousa o galão, nos serve, e conversa vai, conversa vem. Ele fala do filme que assistiu - "Abismo do medo" -, do morcego que come sangue das pessoas; do facebook; da filha; do chimpanzé cuidando dos filhos, na televisão; do galão de 40 litros de "óleo dise" que achou no mar, e vendeu; contou da morte do traficante e do perigo que sofreu ali, na Central do Brasil.

Pergunta do nosso trabalho, da nossa semana, dos filmes que assistimos, diz que estou mais magra, brinca e nos sacaneia, sempre com um sorriso no olhar, que contagia o nosso.

De longe, eu já tinha visto o menino. Teria por volta dos seus 14 anos, sozinho, muito sujo, visivelmente perturbado. Uma bermuda larga para seu corpo magro, uma garrafa de Guaraviton, cheia de areia, um cabelo bonito, encaracolado, grande, mas imundo de areia. 

Tinha um olhar e postura intimidadores. Um discreto (e pensado) sorriso que não chegava a seus olhos.

- Tia, paga um mate pra mim? - a 10 centímetros de mim.
- Não. Pago nada.

Em segundos, seu sorriso desapareceu e, em câmera lenta, virou o corpo para sair.

- Peraê, cara. Tu quer um mate? 

O menino, que não sorria mais, sorriu. Desvirou o corpo.

- Eu te dou um mate. Pega aí o copo. Com limão que tu quer? Melhor pedir que roubar, né não, irmão? Põe o copo aí. Assim, cara, aqui, ó. Isso. Ué, peraê, já tá indo embora? E o mate? Aí só tem limão, cara. Toma aí o mate agora. Valeu. Assim tá bom? Valeu, segue aí. 

Quinho nem sabe, mas ele hoje não nos vendeu seu mate; não compartilhou apenas a sua história; não ouviu a nossa - mundana - vida.

Quinho, todos os finais de semana, nos ensina sobre a vida e sobre as relações.

Comentários

  1. Porque a sabedoria nada em haver com a escolaridade ou situação financeira...

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