Olavo, Lucília e Pedro
Estávamos nós no metrô, voltando para casa em um domingo de manhã
habitual e rotineiro. E, até por isso, delicioso.
Pela primeira vez - de muitas - pudemos fotografar, juntos, os
personagens que descrevo. Quatro olhos os viram. Quatro mãos os escreveram. Por
aqui, no entanto, apenas uma pessoa se manifestará pelo peso da pena.
Bom que, também aqui, podemos exercer a unidade que nos domina. A
unidade (e o amor) que nos une.
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Linha 1 - Saens Peña - Cantagalo.
Sentamos de frente - mas distantes - para o casal Olavo e Lucília.
Um casal de uns 60 e poucos anos. Passava a imagem de um casal feliz. Muito
feliz.
Ele, treinador de futebol de garotos, garimpador de novos
talentos; ela, uma professora de Biologia do Ensino Médio, missionária do saber
em um colégio da zona sul do Rio de Janeiro.
Por uma época, lecionaram na mesma escola - o Santo Inácio, em
Botafogo - e lá se conheceram. Encontravam-se todas as terças-feiras - dias das
aulas de Biologia e Educação Física. O ponto de encontro era a sala dos
professores, sempre de manhã cedo. Antes de iniciarem as suas aulas, tomavam
café puro, preto. Depois, próximo ao horário do almoço, quando da saída do
colégio, despediam-se, até se reencontrarem na próxima terça-feira.
Com o tempo, viam-se também às quartas, aos sábados e aos
domingos, e, quando deram-se conta, estavam morando juntos. Hoje, já contam 14
anos de casados.
A relação gerou apenas um filho, o Bruno, de 12 anos. Todos
achavam que era seu neto, já que Olavo e Lucília foram "pais-avós".
Bruno habituava-se e, bem humorado, chamava os pais de vô. Só de zoação!
Olavo e Lucília sempre tiveram como pilares da sua vida o bom
humor, o respeito e a educação, para quem quer que fosse. Eram amados e
admirados por alunos, mestres, amigos e, sobretudo, pelo filho. Bruno, além de
filho, era amigo dos pais. O pequeno, agora estudante do Santo Inácio (onde os
pais não dão mais aula), ouve, orgulhoso, os elogios aos seus velhos.
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Voltando ao metrô, Olavo carregava uma pasta do tipo executiva.
Estavam sentados logo no primeiro banco, bem próximo à porta. Na estação da
Uruguaiana, Pedro entrou no vagão, bem em frente ao casal Olavo e Lucília.
Carregava uma mala de viagem e mais algumas sacolas de compras (conseguíamos
ver pães e frios pela transparência do saco).
Pedro, 50 anos, era um alto executivo na área de engenharia civil.
Não gostava de ser caracterizado como "engenheiro civil", pois
"podia ser confundido com um peão melhorado". Ele preferia, portanto,
o "executivo na área de engenharia civil".
O nome pomposo lhe causou um divórcio com Diana (44 anos), sua
única esposa. Ela queria, mas nunca fora prioridade na sua vida. O trabalho e a
frieza do dinheiro sempre estiveram em primeiro lugar na vida de Pedro. Diana
queria filhos. Pedro sempre "pensava nisso para outra hora". Diana
pediu o divórcio há dois anos. Seria prioridade na vida dela mesma.
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Pedro estava indo para sua casa em Ipanema, voltando de Macaé. Seu
carro estava na oficina e, por isso, ele veio de carona com o coordenador da
obra, que o deixou na Presidente Vargas. Pedro achou um mercado aberto. Antes
de pegar o metrô para casa, aproveitou para comprar pão e frios.
Entrou no vagão carregando uma mala que tinha as suas qualidades:
imponente, dura, "de respeito". E dois sacos de mercado, com pães,
frios, suco e alguns doces.
Pedro era destes homens com o “andar em linha reta e olhar de cima
para baixo”. Não via quem estava ao seu lado. Ignorava que existiam pessoas
acima. "Era pura distração", diria ele.
Não por acaso, Pedro parou na frente de Olavo, que não tinha nada
de distraído. Não precisaram trocar palavra alguma. Olavo levantou-se do seu
assento (ao lado de Lucília), imediatamente, e, sorrindo para Pedro, e olhando
para suas malas, apontou para o assento vazio.
[Nós - que fotografávamos - vimos a cena em câmera lenta...]
Pedro levou sete segundos para olhar na direção (e não para) de
Olavo, e, fez que não com a cabeça, permanecendo duramente imóvel.
Olavo sorriu, sentou-se novamente ao lado de Lucília, que o
abraçou, e estalou um beijo em sua testa.
Silencioso, o casal não fez qualquer comentário. Nem com o olhar.
Mesmo longe, conseguíamos ouvir o barulho ensurdecedor que vinha
da dureza silenciosa de Pedro.
[A fotografia deste conto se deu, na vida real, em menos de um
minuto. As melhores cenas são as captadas nas sutilezas de pequenos e rápidos
movimentos].
[Obrigada ao meu fotógrafo preferido por, ao meu lado, permitir
que contemos histórias que são, também, nossas].
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