Lucio, Mariana, Catarina
Lúcio é o pai. Mariana, a filha. Ele, cerca de 70. Ela, por volta dos 30 e poucos. O cenário é a mesa do jantar.
Ele - apesar da idade - ainda trabalha, no Centro do Rio, de carro. O estacionamento onde ele pára o veículo está fechado e, portanto, ele tem ido de outras formas. De táxi, quase sempre. Os cabelos brancos já não permitem grandes aventuras pelo trânsito.
- Hoje voltei pra casa de cata-corno.
- De ônibus, cara?
- É. De ônibus. Peguei ali, na Carioca. Perto do trabalho do Djalma.
- Ah, sei.
- Mas teve um que bateu no outro.
- O ônibus?
- É.
- O teu?
- Não. O de trás com o da frente.
- Hã?
- O ônibus que estava atrás do que eu peguei, bateu um de trás do outro. Dois de trás. Atrás. Através. Atravessou.
E o velho - que ainda não está gagá -, começou a filosofar.
- Mas isso você não conhece. É li-te-ra-tu-ra, Mariana. Literatura.
- Ah, sei.
- Mas aí, no ônibus, um velha, mais velha do que eu até (talvez, eu acho, né?), me cedeu o lugar. Aí eu mandei logo: "De jeito nenhum", e empurrei ela pra se sentar de novo. "Tá me chamando de velho?". Aí ela: "Não, por favor, não se ofenda". "Não me ofendo, mas a senhora nem quis deixar eu ir lá pra trás do ônibus, já queria me ceder o seu lugar, pra eu ficar por aqui. Pois bem, agora vou ficar por aqui, com a senhora".
- Mentira, pai?
- Juro.
- E aí? Qual o nome da velha?
- Catarina.
- Mais velha que você mesmo?
- Não perguntei a idade, né, Mariana?
- Mas aí você foi de pé?
- Fui.
- Conversando com a velha?
- Sim, com a Catarina.
[Agora a velha tinha nome...]
- E foram conversando sobre o que?
- Sobre saúde e doença. Da glicose, e de pressão, e de mais um monte de doença.
- É, era mais velha que você. Velho conversa de doença.
- É, mas agora estou te falando da Catarina.
- Coitada da Catarina, né? Teve que vir te aturando a viagem inteira de lá até aqui.
- É. Aí, quando ela ia falar alguma coisa, eu disse: "Dona Catarina...", ela não gostou muito de eu chamá-la de dona. Mas aí eu disse, continuando: "Dona Catarina, agora eu vou ter que saltar. O próximo ponto é a minha comunidade", e saltei aqui em casa.
- Que aventura, hein, seu Lúcio?
- É, andar de ônibus nessa cidade né mole não.
- Ué, mas eu tava falando da Catarina...
[Seu Lúcio mal sabe, mas Mariana morria de orgulho dele... Velho mais conversador e amado este...]
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