Era uma velhinha...

Eu não sei seu nome. Nem perguntei. Não importa pra este conto. Nem pro nosso encontro.

Fui à praia sozinha. Encontrei uma amiga por lá, depois; mas, na ida, no caminho, no encontro com meu lugar sagrado, eu estava só. 

Eu moro no início de Copacabana, e vou a praia no Leme. Então, é uma pequena caminhada, pelo calçadão, olhando as pessoas, o mar, as crianças, os cachorros... Olho tudo, menos os carros. (rs)

Nossa personagem era magra, bem magra. Devia beirar os 70 anos. Vestia um shortinho de pano, deixando suas pernas brancas bezuntadas de protetor solar de fora, e uma camisetinha, combinando. Uma sapatilha branca, de pano, velhinha, compunha o conjunto. 

Tinha um olhar sorridente (embora não sorrisse), contemplativo. Parecia sozinha, sentada numa cadeira de rodas, na beirada do calçadão (a beirada mais próxima da areia). Percebi, a alguns metros, alguém semelhante a uma enfermeira. Uma moça mulata, baixinha, magrinha, pouco sorridente, comprando um coco. 

Não pude deixar de perceber a velhinha - gosto de chamá-la assim - com o olhar longo e contemplativo.

- Oi.
Ela apenas sorriu.
- Bonito o dia, não?
Ela fez que sim com a cabeça e, agora, me olhou sorridente.
- A senhora não anda?
- Ando, mas não tenho mais forças. - Levantou-se da cadeira, sozinha, e deu dois passos, e sentou-se novamente. - Nada muito mais do que isso.
- E a senhora hoje está passeando, tomando um coco...
- É, minha menina, ali, a Márcia, foi comprar pra gente.
- Mas me parece que a senhora gostaria de mais além de um coco, não?

Ela emocionou-se, sorrindo, sem cair sequer uma lágrima. Apontou para o mar, com seu dedo magro e enrugado. E, em seguida, para as suas pernas.

No silêncio, ela me dizia: "não consigo chegar lá".

- Eu adoro o mar também. A senhora me dá um minutinho? 

Desci as areias do mar, até a beirada dele, e encontrei Norberto, um amigo. 

- Berto, tudo bem, amigo? Então, conheci uma velhinha. Olha discretamente, lá pra cima. Ok, não sei se ela enxerga de longe. Aquela velhinha precisa vir ao mar, amigo. Mas eu não consigo carregar cadeira de rodas, ela, e mais a enfermeira dela junto. É, a enfermeira aguarda com as coisinhas dela. Não, não sei se ela está de bikini. Mas você pretende afogar a velha, Berto? Uma molhadinha nos pés. Sacanagem a enfermeira trazer a velha pra tomar um coco e ficar olhando o mar só? Você me ajuda? Bora.

E vim subindo a areia, de novo, em direção a, agora, nossa velhinha - minha e do Norberto. 

- Oi, bom dia. Eu sou Norberto, seu criado - e beijou a mão da velhinha - [ele era um palhaço]. Pronta?

- Pronta pra que, Norberto?

Seus olhos já eram outros...

Norberto já tirava os sapatos dela, entregando-os para a enfermeira. 

- Você me espera, Márcia? Acho que eu vou ali com esse casal...
- Você os conhece? Sabe onde vai?
- Conheço, claro! Meus amigos, oras. Você quer ir com a gente?
- Não. Eu não gosto de areia. Suja meus pés.
- Eu gosto, já volto, tá? Não se pré-ocupe.

A nossa velhinha ficou de pé, sozinha, descalça, no calçadão ainda. 

Norberto, num átimo, pegou-a no colo - tal como um noivo pega a noiva, ao entrar em casa. A velhinha sorriu, e estalou um beijo na bochecha do nosso amigo, que fechou os olhos e suspirou. 

Só Norberto era nomeado. Nem eu nem a velhinha nos apresentamos. Não precisava. 

Passamos, pela areia quente, vagarosa e silenciosamente. O mar, cada vez mais próximo aos olhos da nossa velhinha. A água estava calma e muito gelada. 

Norberto estava só de sunga e, pelo caminho, eu fui me despindo, e guardando meu vestido e chinelo na minha bolsa. Avistei onde estava a cadeira do Berto, próximo ao mar, e deixei minhas coisas próximas às suas. 

Na beiradinha do mar, Berto pousou a velhinha, com cuidado, na areia. Continuou, no entanto, segurando as mãos dela. 

Fiz sinal para ele, e ele soltou as mãos dela, passando para trás dela (junto comigo), segurando-a pela cintura - a gente não sabia se ela podia perder o equilíbrio. A personagem principal da cena era a velhinha contemplativa com o mar. Não podíamos ficar na sua frente.

Ela olhou para trás, nos sorriu - um sorriso desses sapecas, maliciosos, que só boas velhinhas são capazes de dar. No silêncio, entendemos tudo: eu, do lado direito; Norberto, do lado esquerdo. Mãos dadas. 

Entramos, os três, andando, sentindo o solo arenoso nos pés, mar adentro. Até enfiarmos, os três, a cabeça nas ondas, sem medo. 

No silêncio, podíamos ouvir a velhinha sorrir e agradecer, emocionada, pelo melhor presente de aniversário que poderíamos dar a ela.

Ela - nem nós - nem sabia, mas aquele era seu aniversário de um ano. E era ali, no mar, que ela podia renascer. 

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