Dois casais

Essa é a história sobre dois casais. Eles existem, sim, na vida real. Um casal é Milton e Joana. O outro, é Daniel e Carolina.

Falemos dos primeiros primeiro.

Milton, 48 anos; Joana, 45. Ambos, moradores de rua, há cerca de 10 anos. Vendem latinhas e, com o dinheiro, conseguem comprar a refeição do dia, a quentinha da Dona Zulmira, que eles dividem entre eles e racionam entre almoço e janta. 

Moram embaixo da marquise de bancos, lojas e supermercados, nas imediações do Flamengo, Largo do Machado e Catete. Carregam seus trapos com eles: uma bolsa de roupa suja, e um edredom velho, que acharam no lixo. Não lembram a última vez que tomaram banho. Diferente do que pensam, não são drogados ou ladrões.

- A gente nunca precisou roubar nada não senhor. 
- E por que vocês vivem na rua? - perguntaria qualquer um.

Milton e Joana responderiam com um silêncio olhar para o céu estrelado. Acho que nem eles sabiam porque viviam na rua. Eram felizes, no entanto. 

Não tinham filhos, nem parentes. Poucos amigos (só os comerciantes da redondeza, que davam um resto de comida, no final da noite). Eram um casal, parceiro, amigos. Se ajudavam, limpavam o piolho um do outro, vigiava o sono um do outro, pois já tinham sofrido muita violência de madrugada.

As pessoas não entendiam, mas eles andavam sorridentes. Não tinham do que reclamar, apesar da vida - que as pessoas julgavam - difícil. 

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Daniel e Carolina se conheciam já há algum tempo - talvez alguns anos. Estavam juntos, no entanto, há poucos meses. 

Daniel, 39 anos; Carolina, 32. Ele, professor; ela, psicóloga. Eram namorados, acho. Viviam uma vida pacata, de paz, feliz. Sem grandes sobressaltos amorosos. Um amor tranquilo, puro, calmo. Tipo um mar num fim de tarde de verão. 

Ele era um homem alto; ela, pequena e baixinha. Ele conseguia, portanto, abraçá-la de forma que ela ficava pequena, mas da altura ideal. Parecia um encaixe perfeito os dois.  Eles conversavam, andando para a frente, se entreolhavam, se beijavam, sorriam, e continuavam andando.

Era bonito de ver os dois. Daria uma boa fotografia. Não consegui fotografá-los (com uma máquina). [Perdoem-me por isso, leitores!]

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Era um sábado de início de noite. Um casal cruzou o outro. Daniel e Carolina iam ao cinema. Milton e Joana eu não sei.

Vi quando os dois cruzaram quando Milton, do lado de fora das grades-enclausuladoras-de-um-prédio-que-não-aceita-mendigos, tentava captar-raptar uma florzinha numa árvore. Ele pulava, tentava se agarrar, escalar a porta-de-ferro-fria.

A árvore era pequena. A flor era pequena. Milton era pequeno. O afeto por Joana não. 

- Você nunca me deu nada... - dizia ela, fazendo beicinho, minutos antes.

A árvore era pequena. A flor. Milton. 

Daniel não. Um pequeno pulo e ele pegou a flor e entregou a Milton, que entregou a Joana, que botou no cabelo.

- Obrigado, moço.
- Valeu.
- Obrigada, Milton.
- Te amo, minha mulher Joana.
- Que coisa linda, Daniel. Obrigada pelo presente.
- Ué... mas foi Joana...
- Eu também... eu também...

E cada casal seguiu seu caminho. 

A flor estava no cabelo de Joana, mas as mãos de Daniel e o coração de Carolina ainda estavam perfumados.

[Meu agradecimento a Daniel e Carolina, por permitirem que eu os fotografasse].
[E um beijo florido a Milton e Joana, pela sensibilidade].


Comentários

  1. Que Deus abençoe as mãos abençoadas que fotografam tantas histórias.

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  2. Lindo, foi lindo. Eu nem saberia descrever o que viu meu coração ali.

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  3. Que histórias lindas!! Incrível como elas se cruzam de maneira tão especial para ambos os casais. Pequenos gestos que representam muito. Beijos Lu!!

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  4. Agradeço por estender esse bom perfume a nós leitores. Linda fotografia!
    Beijo!

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