A menina, a mãe, a avó

Eu não estava lá; mas nem importa.

Nossos contos, a quatro mãos, são sempre fotografados por uma, escritos pela outra. Uma tem olhos; outra, tem dedos. Ambas, têm sintonia e sensibilidade de perceber o outro.

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Estava eu na França, quando vi, ao longe, uma catedral. Não sou católica, nunca fui. Mas as catedrais me encantam. Os vitrais coloridos, que, sob a luz do sol fresco iluminam o interior; a energia do lugar; as pessoas  da cidade que entram, fazem a sua reza, e saem. Toda a atmosfera me encanta neste tipo de ambiente. 

Os museus são para serem contemplados; as catedrais, para serem sentidas. E eu gosto mais de sentir do que de ver. 

Neste dia, dei sorte. Na catedral, um coral ensaiava. O professor regia a turma - de homens e mulheres, com uma faixa entre 20 e 40 anos -, que, no altar, cantava concentrada, para a apresentação de tarde. Esta não era, portanto, uma apresentação do coral, mas sim um ensaio, um improviso, um teste pessoal e coletivo. 

As vozes se misturavam. Os tons se acrescentavam. Os olhares, todos para um único ponto. Uma errava e fazia que não com a cabeça, castigando-se. O professor sorria; ela sorria. Parecia um balé de sons. Era bonito de sentir. 

Eu, como não entendo francês, não sei traduzir o que eles cantavam. Era assim mais fácil, portanto, sentir do que entender. 

A catedral estava vazia. Num local que caberiam centenas de pessoas, havia poucas dezenas. Pude ver, com clareza, então, quando as três entraram. A mais velha, não tinha mais do que 60 anos; a mãe, cerca de 35; e a pequena, apesar da chupeta, cinco.

Filha, mãe, avó. Tocavam-se o tempo todo, sutilmente: eram unidas. A menor, unia as duas maiores. Eram, todas, amigas.

Entraram na catedral, lenta e silenciosamente. Sentaram bem perto de mim, com a pequena no meio das duas maiores. Ela era, o que se pode dizer, de uma criança especial, em todos os sentidos. Especial pois tinha alguma questão mental / psíquica limitadora (?); especial pois tinha uma mãe especial; especial pois, assim como o ambiente também permitia, era uma menina que sentia. 

As três, da segunda fileira de bancos, olhavam para o mesmo ponto: a homogeneidade do coral. Eu, que apenas queria sentir - e não ver - contemplava as três. 

A mãe respeitava a especialidade da filha. A filha sabia - apesar da fresca idade - da sua especialidade. A avó, grande mestre, contemplava filha e neta com respeito.

O olhar da moça do coral - aquela que errava e fazia que não com a cabeça - cruzou com o olhar da menina. Pude ver que elas, a partir de então, não se desgrudaram mais. Uma hipnotizou a outra. Ninguém percebeu. Não precisava; não podia. Só as duas sabiam.

A mãe passou o braço pelo corpo magro da menina, e aninhou-a em seu corpo. O corpo da mãe era macio e cheiroso. A pequena recostou a cabeça, e a mãe ficou, agora, acariciando seus fios finos de cabelos loiros.

Apesar de piscar lentamente - pela sua sensível especialidade - os olhos da menina não desuniam do olhar da moça do coral.

Uma mostrava para a outra a sua mais íntima especialidade: sentir. Sentir-se. 

Agora, portanto, a moça não fazia mais "não" com a cabeça. Ela apenas acertava, e sorria. Tinha encontrado a sua essência naquele olhar que piscava lento.

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