Zeca e Kelly Cristina

(Escrito em 10 de abril de 2014)

O ônibus estava cheio. 132. Central - Leblon. 

Estava na Rio Branco, às 18h30, voltando pra casa. Entrei nele, mesmo cheio.

Encontrei um lugar, lá no fundo, no último banco.

Zeca estava na janela. Sobrou meio-banco para mim. Ele era um rapaz grande. Parecia alto e, era gordo. Não gordinho/fofo/acima do peso. Gordo. 

Zeca, no entanto, não se preocupava com a sua gordura. Sentei ao seu lado.

- Com licença.

Ele me olhou. Não me respondeu. Não se ajeitou. Apenas me olhou.

Ficou apertado para mim. Apertado para ele. Ele estava habituado a isso. Ficou feliz com o aperto. Poucos eram os que sentavam ao seu lado no ônibus. Ele era grande, as pessoas viam. E, além de gordo, negro. Zeca ficava meio puto com o preconceito com a sua cor e o seu peso, mas nem pensava muito nisso. 

Zeca tinha 33 anos e morava no bairro da Saúde, próximo à Central do Brasil. Já teve vários empregos ao longo da sua vida: garçom, porteiro, ascensorista, segurança, vendedor. Agora, estava indo fazer um bico de segurança numa danceteria, em Ipanema. Um colega o indicou. Era o porteiro. 

Mora com a mãe, uma senhora já bem idosa. Tem quatro irmãos, todos mais velhos. É solteiro e não tem filhos. Até gostaria de ter filhos. Com a Kelly Cristina, a Kellyzinha.

Quando o ônibus pegou o Aterro, ele tirou o celular do bolso da blusa. Um Nokia bem velhinho...

- Alô. Oi. Tudo bom? Não tá querendo falar comigo? Quê? Tu não me atende, pô... É, te liguei. Três vezes. Tá fugindo? Oi? Alô? Alô?

Olha para o celular, enquanto resmunga... "É, caiu essa bosta. Esse celular velho é uma merda... Meu Galaxy vai voltar do conserto e vou devolver esse pra mãe... Mas eu ligo de novo".

- Oi! [Sorrindo]. É, caiu. E aí? Não tá me atendendo? É, agora atendeu. E aí, tá tudo bem? Tá. Tudo bem. Fim de semana? Eu tou no ônibus. É, no ônibus. Não. Não posso dizer. Tá cheio. Não posso dizer o que eu vou fazer. O que eu vou não, né? O que eu quero. Porque já tem o que, né, Kellyzinha? Duas semanas. Tá me dispensando, né, gatinha? É, dispensando. As amigas, sei. Prefere elas, né? Mas elas não dão o carinho daqui do negão. Então, sexta-feira? Alô? Alô?

Zeca olha o celular novamente. "Merda. Porra, na hora, mermão?"

- Kellyzinha? Oi, sou eu. Toda hora que passa no túnel esse negócio cai. Olha só, vou te mandar a real. Quero tu, minha preta. Sexta-feira. De novo. Duas semanas é muito tempo, né? Então. As amigas? Vai sair com as amigas? E no sábado? Sábado você trabalha? Não, né? Então, bora sábado? Vai ver? Mas tu não tá com saudades? Eu tou, pretinha. Cheio de saudades. Ai..., tou no ônibus... Te ligo de noite, tá? A gente combina. Sábado. Te pego. Alô? Alô?

"Bosta de celular. Amanhã eu pego o meu na autorizada e a Kellyzinha vai ver só o que é uma ligação que não é interrompida..."

Eu precisei saltar do ônibus, mas deixei Zeca sorrindo, sozinho, olhando pro lado de fora da janela.

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