Miguel e Renata, na Lapa


Eles se conheceram, ali, na nossa frente, num show de uma banda numa praça eclética da Lapa. 

Ele, 30 anos, separado, era um homem bonito, apesar dos dreads. Tinha os olhos expressivos e grandes, uma sobrancelha bem delineada. Bem magro e não muito alto. Um olhar e uma voz o tornavam especialmente sedutor. Tinha recém chegado de Barcelona, e estava a três semanas no Rio de Janeiro, pela primeira vez. Trabalhava como fotógrafo pela Europa, já há alguns anos, mas sempre ganhando pouco para viver a vida que desejaria. 

Juntou 20% do que recebia, todos os meses, e conseguiu acumular o equivalente a R$ 2 mil, para poder colocar uma mochila nas costas e vir para o Rio de Janeiro, conhecer a cidade. Se arranjar algum trabalho por aqui, vai ficando. Nessas três semanas, só tinha rolado um trabalho, onde ele ganhou R$ 150, que deu para passar a semana.

Miguel estava hospedado num sobrado, na Lapa. Tipo aluguel de quarto, mas ele dividia o quarto com duas outras pessoas. Um rapaz, que fazia Produção Cultural na UFRJ (a família mora em São Gonçalo e ele volta aos finais de semana para casa); e uma menina, francesa, de passagem pelo Brasil. Raramente, ele ficava "em casa" (nome que dava à sua cama na hospedaria).

Renata, por sua vez, uma menina, 22 anos, linda. Baixinha, magrinha, cabelos lisos e cheios, olhos castanhos, num óculos quadrado que escondia a sua expressividade. O seu sorriso, meio de lado, infantil, conquistava os homens. 

Mora com os pais. Sua mãe é dona de casa e Renata nem sabe o que ela fazia antes de casar. Acha que a mãe, na verdade, numa trabalhou. Seu pai é um contador falido e, atualmente, um corretor de imóveis quase falido. Ambos, com 45 anos, com a diferença de que seu pai é um boçal e a sua mãe é uma pobre-coitada. 

O casamento dos dois já não ia bem há muitos anos. Desde que seu pai foi demitido do grande escritório de Contabilidade, na Cinelândia, em 2007, resolveu ingressar no mercado imobiliário. Nunca teve muito sucesso na nova profissão, vendendo menos de um imóvel por mês e recebendo, em média, R$ 4.000 de comissão, pra sustentar o pequeno apartamento na Glória. 

A vida de privações financeiras fez seu Jorge começar a beber desenfreadamente. Iniciou com uísque, indo pra cerveja, parando na Caninha 51, "que era mais barata". A bebedeira o tornou um homem envelhecido, agressivo - com Renata e com dona Isaura, a mãe - e deprimido. Quando ele não estava chorando, estava gritando; quando não estava gritando, estava fedendo a álcool. E, quando nenhuma destas coisas, estava batendo na mãe, sempre em locais onde a roupa podia cobrir. 

Renata tinha muita vontade de sair de casa, mas ainda não podia, foi fazia estágio em uma agência de Publicidade, e ganhava apenas R$ 800, o que não dava pra "brincar de casinha" ainda. Estudava Comunicação Social na UFF, e parte do seu salário ia de passagem e alimentação. E as xerox, livros, e mais essas tralhas todas de faculdade. No entanto, Renata sempre guardava R$ 200 por mês pra sua diversão, na Lapa.

O pai ficava louco, pois Renata, apesar dos 22 anos, saía na 6a feira e só voltava sábado na hora do almoço. Nunca aparecia com um namorado, mas, às vezes, chegavam uns "tipos estranhos" na sua casa. Ele achava que a sua menina ainda era virgem. "Eu tenho vinte-e-dois-anos, ô pai? Se liga!".

Renata conheceu Miguel, ali, naquele show da banda argentina, numa praça qualquer na Lapa. A banda tocava uma música dançante e as suas amigas tinham ido comprar uma cachaça, deixando Renata ali, esperando-as. Ela era o tipo de menina-alternativa, e estava dançando, sozinha, olhos fechados, quando Miguel chegou e ficou, dançando, muito próximo a ela, com os olhos bem abertos.

Quando Renata se deu conta de que as amigas estavam demorando, viu Miguel na sua frente, sorrindo. Ele fazia o tipo dela, e percebeu, pelo sorriso de lado, dela, sem mostrar os dentes. Antes que ela pudesse dizer "oi", Miguel já chegou-chegando, tascando um beijo na moça. 

Ela, claro, correspondeu, e passava os dedos pelo cabelo cheio de dread de Miguel. Ele, pouco tocava nela. Um abraço forte, presente, mas sem grandes mãos-braços. Só beijos. Fortes, quentes e excitantes.

Depois do beijo, eles foram conversar, ainda que pouco. "Qual teu nome? De onde você é? Que tá fazendo no Rio? E você? Mora com quem? Que você estuda? Vem sempre aqui?"

Entre as perguntas-retóricas, mais beijos. Saber dela, não era tão importante. Ela gostaria de conversar mais, mas ele beijava tão bem, que dane-se.

As amigas, claro, não voltaram. 
- Você veio com quem? 
- Com a Ju e a Flá, mas elas vazaram. 
- Você quer procurá-las? 
- Não, não. Depois eu ligo. Quero conversar com...

E antes que ela pudesse terminar a pergunta, já vinha-lhe beijo de novo, calando a sua boca, e dizendo a que vinha. 

Renata era, igualmente, uma mulher fogosa e sexual. Quando se deu conta, o papo já era outro. 

- Você tem dinheiro?
- Oi?
- Dinheiro, você tem?
- Você tá me assaltando? - entre risos nervosos.
- Claro que não, minha gatinha. Só me responde. Você tem dinheiro?
Ela abriu a bolsa.
- Tenho. R$ 38.
- Eu tenho R$ 50. Tem um motelzinho gostoso aqui na Lavradio. Acho que é R$ 60. Vamos lá? Eu dou R$ 40, você dá R$ 20. Ficar mais à vontade, e tal. 
E, antes que Renata pudesse dizer sim ou não, ele já tascara-lhe outro beijo, arrastando ela pelos seus braços.
"Que delícia... Mas que bizarro o cara querer dividir o motel? Pelo menos, me sobra R$ 18 pra amanhã".

Pude ver a hora que eles estavam saindo, de mãos dadas, sorridentes, e conversando. O olhar dela era de mais curiosidade; o dele, de apreensão.

Entraram no motel, e pegaram a chave do quarto 207. Era um lugar não muito bonito, mas a cama, pelo menos, parecia limpa. O lençol, um pouco rasgado, mas o ar condicionado estava funcionando bem. 

Logo que chegaram, Miguel tratou de tirar a sua camisa, e beijar Renata, colando seu corpo suado no dela, contra a parede. Resolveram tomar um banho juntos e foram logo para a cama, onde iniciaram o sexo. Ele tinha camisinha e eles transaram em diversas posições. Miguel era um homem experiente e Renata gostava muito de sexo com homens estrangeiros. Essa coisa inter-cultural excitava ela. E fazer sexo ouvindo o homem sussurrar em outro idioma era delicioso.

Ele demorava a gozar, e ela já estava exausta de tanto gozar. Ele sorria, ria, brincava. Era galanteador. "Não posso me apaixonar. Não posso me apaixonar. Não posso me apaixonar", era o mantra interno e mental que Renata se ouvia, enquanto ele passava a mão pelo seu rosto e transava com ela, com sofreguidão, olhando-a fundo, com seus olhos penetrantes. 

1h30 depois de sexo ininterrupto, Miguel gozou de uma forma que Renata nunca tinha visto antes. E o "não posso me apaixonar" e "Que sexo dos deuses" não saíam da sua cabeça.

Ficaram conversando, deitados na cama, olhando pro espelho no teto, e rindo. Renata, que não estava habituada a sexo-tântrico, como é comum com os espanhóis, caiu no sono. Miguel observou-a dormir por cerca de 10 minutos, se vestiu cuidadosamente, sem tirar os olhos dela, e bateu a porta do quarto, com muito cuidado.

Chegando na recepção do motelzinho, já tinha o discurso pronto:

- Oi. Ela tá dormindo. Eu a acordei, pois pego um vôo daqui a pouco. Eu deixei o dinheiro com ela. Você pode acordá-la daqui a 1h30, quando acabar o período? Tchau, boa noite. Meu nome? Juan. Juan Pablo. 

Por volta de 2h da manhã, encontrei Miguel nas ruas da Lapa, com outra menina. 

E a Renata, esta ainda dormia a sono solto, com R$ 38 na bolsa a tira-colo.

(Escrito a quatro mãos. Por Luana Zanelli e André Barbosa)

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