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Isabela

Isabela entrou no ônibus junto comigo, na minha frente. Calça jeans, sapatos baixos, blusa larguinha, mochila preta. O ônibus já estava cheio quando entramos (Jacaré - Ipanema), ali na Presidente Vargas. Isabela ficou de pé, tal como eu, segurando a mochila de lado.  Por sorte, na frente dela, as duas moças sentadas saltaram, e Isabela logo se posicionou na janela. Ao seu lado, um rapaz por volta dos seus 45 anos. Ela deveria ter uns 32.  Assim que sentou e recostou, suspirou. Abriu a mochila vagarosamente, e tirou um livro e começou a lê-lo. Não consegui ver o título, nem se era técnico e/ou romance. Ela marcava o livro com uma lapiseira, em alguns momentos. Eu vim a observando, ao longo do trajeto, sem tirar o olho de Isabela. E ela, não tirava os olhos do livro. Ela era sozinha. Morava sozinha, no seu apartamento, recém comprado, no Bairro Peixoto, em Copacabana. Não era triste. Mas também não era feliz. Era, como dizia, "normal".  Sua mãe morr...

Ralph e Lucas

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Ralph foi criado por seu pai, um senhor de nacionalidade indefinida, muito machista. Sua mãe morreu no parto, de pré-eclâmpsia. Ele não sabia bem o que era isso, mas sabia que a "sua velha Isa" tinha morrido pouco após dar a luz a ele. Desde cedo, Ralph gostou de mar, praia, sol e independeu-se muito novo. Aos 12 anos, já matava aula para surfar. - Que se foda essa porra toda. - dizia isso sempre, mesmo na tenra idade. Surfava sozinho, pelo menos 3 vezes por semana. A prancha era emprestada dos surfistas que ficavam por ali, em Ipanema, onde morava com o pai.  Aprendeu a nadar no mar. Conheceu seus amigos no mar. Aprendeu a sentir o sol, o vento, a temperatura, a velocidade no mar.  Como era esperto e bom aluno, acabava sempre passando de ano, pois estudava na véspera e acabava tirando a nota necessária para passar. Seu pai, um tanto quanto ausente, não educava nem ensinava sobre a vida para o pequeno Ralph. Desde novo, sempre fora machis...

Alessandra e Francisca

Estava eu, no metrô, indo pra algum lugar que não lembro mais. Vi Alessandra, 17 anos; e Francisca, 40, sua mãe. Moravam na Pavuna, e estavam na linha 2, de tarde, voltando pra casa, em pleno sábado. Francisca é empregada doméstica. Trabalha na casa da dona Marisa, em Ipanema, há mais de 10 anos. Alessandra termina o ensino médio e quer trabalhar como recepcionista, mas nunca trabalhou ainda. "Preciso apenas de uma oportunidade pra mostrar o meu potencial". E tinha. Era uma boa menina, apesar de namoradeira, segundo a mãe. Ambas eram negras, magras. Alessandra, mais alta que a mãe. Francisca, no entanto, era mais forte que a filha. O mesmo olhar de jabuticaba aparecia nas duas.  O olhar das duas, triste, silencioso. Não se olhavam. Sequer conversavam. Havia, no entanto, cumplicidade. Uma silenciosa cumplicidade e amor. Muito amor. Alessandra conhecera João na festa da comunidade, e namoraram escondidos. Ele é mais velho. Ela, com 17, hoje, ele tem... 23. ...

Janete

O ônibus era o 455. Copacabana - Central. Sento lá atrás, sempre.  Só tinha lugar para sentar no corredor, do lado esquerdo. Do lado direito, vi Janete. Uma negra linda. Por volta dos 35 anos. Negra, bem gorda, cabelo solto, curto, alisado. Tinha duas bolsas. Uma, parecia uma pequena mala de viagem, e uma bolsa de mão, mas destas grandes, avantajadas. Estava, também, sentada no corredor (do lado direito), bem ao meu lado (do outro lado do corredor). Em geral, viajo silenciosa, lendo um livro (no momento, é "A grande arte"), ou fotografando as pessoas. Janete pediu para ser fotografada. Fechei o livro e... - Pois é, menina! Mas eu não te contei? Foi um escândalo... É, se lembra? Então, ela fez uma cara... É uma sonsa. Sonsa. É. Muito sonsa. Ela sabe que eu sei. Mas ela não diz nada. Faz aquela cara de santa. Naquele dia lá, lembra? Pois é. E aí, desde sempre é assim. Ninguém percebe. Mas eu sei. Ela não é boba. Ela se faz de boba. Mas a mim, é a gente. Não, não ...

Ana

Eu estava voltando pra casa, de Ipanema. Saltando do ônibus, resolvi entrar em uma rua diferente. Tentar novos caminhos, novos olhares, novas pessoas. Gosto de olhar no olho das pessoas. Mesmo dos estranhos. Velhinhos - e uma velhinha - jogavam baralho num boteco, na mesa suja da calçada. Alguns senhores - mais novos - sorriam, olhando a jogatina, de pé.  Mas foi quando passei por um prédio, destes grandes, antigos, velhos, das ruas transversais de Copacabana, que vi Ana. Magra, alta, sentada na escada do prédio, com os joelhos próximos ao peito, abraçada-angustiada sobre eles. Usava um vestido roxo, longo e largo, de alcinha. Chinelo rosa. Cabelo preto, liso, sujo e desgrenhado, preso em um rabo de cavalo mal feito. Ana, coitada, havia terminado o namoro ha 1 semana. Ele terminou com ela, aliás.  Já moravam juntos, naquele apartamento, que ficou para ela de herança do seu falecido pai. Perdeu seus pais cedo. Sua mãe se foi, ela tinha 8 anos. E seu p...

Mateus e Gabriel

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O nome dela é Isabel. Ele, Ricardo. Isabel estudava Engenharia Civil na UFF. Uma das suas amigas, inscreveu-se na disciplina de Filosofia I, como eletiva, e não estava a fim de ir à aula sozinha. Pediu, portanto, que Isabel fosse com ela, pra ela não ficar deslocada na turma. Isabel nem era muito a fim de filosofia, mas sendo Filosofia I, quem sabe? Chegando na turma, deviam ser uns 25 alunos. O professor ainda não tinha chegado. O professor entrou e olhou, sorrindo, para a turma. Isabel estava no fundo, mas seus olhares se cruzaram por 1 segundo. Bia olhou – sorrindo maliciosamente – pra Isabel, que fez uma cara de “não entendi”. - Bom, gente. Bom dia. Meu nome é Ricardo Lopes, e eu sou professor de Filosofia I aqui da UFF. Sou professor de outras disciplinas também, da área de Filosofia e Humanas. Eu sou psicólogo por formação. Já atendi em consultório, mas não mais. Curto mesmo é isso aqui, sala de aula. E, antes da gente falar do programa do curso, da ementa, da pr...