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Dois casais

Essa é a história sobre dois casais. Eles existem, sim, na vida real. Um casal é Milton e Joana. O outro, é Daniel e Carolina. Falemos dos primeiros primeiro. Milton, 48 anos; Joana, 45. Ambos, moradores de rua, há cerca de 10 anos. Vendem latinhas e, com o dinheiro, conseguem comprar a refeição do dia, a quentinha da Dona Zulmira, que eles dividem entre eles e racionam entre almoço e janta.  Moram embaixo da marquise de bancos, lojas e supermercados, nas imediações do Flamengo, Largo do Machado e Catete. Carregam seus trapos com eles: uma bolsa de roupa suja, e um edredom velho, que acharam no lixo. Não lembram a última vez que tomaram banho. Diferente do que pensam, não são drogados ou ladrões. - A gente nunca precisou roubar nada não senhor.  - E por que vocês vivem na rua? - perguntaria qualquer um. Milton e Joana responderiam com um silêncio olhar para o céu estrelado. Acho que nem eles sabiam porque viviam na rua. Eram felizes, no entanto.  ...

Leonardo e Gabriela, o casal

Este conto é sobre Leonardo e Gabriela, um casal de amigos. Leonardo eu já conheço há uns 10 ou 15 anos. Meu melhor amigo. Daqueles amigos de se falar todos os dias, de cuidar um do outro, de brigar e ficar meses separados, e morrendo de saudade, e não dando o braço a torcer. Amigo de aplaudir as conquistas. Amigo de dar broncas feias. Amigo de falar besteira. Amigo de não falar nada, de ficar em silêncio, longe ou perto. Amigo de dizer, na hora de mais dor: “te amo, tou aqui”. Leonardo, hoje, tem 38 anos, e é o mais velho de 3 filhos, da dona Martha, aeromoça. Não chegou a conhecer seu pai e, como a mãe viajava muito, Leonardo era criado por quem estava disponível. Ficava em casa (na Tijuca), com a empregada – dona Chica, empregada de anos da família – ou com tios, avós, padrinhos. Leonardo se dava bem com a mãe, mas quando a via, o que era raro para uma criança de 5 anos. Leo não gosta de ser chamado de Leo, mas eu sou amiga e posso. Acabou tornando-se um menino calado,...

Henrique

Já conhecíamos Henrique, da praia. Mas, hoje, ele pediu pra ser fotografado. Henrique tem 48 anos - embora pareça mais -, mora em Austin (Nova Iguaçu), e é separado da esposa e filhos. É mulato, com poucos dentes (os da frente já se foram), e cabelo e barba crespos e grisalhos. Ele não tem dinheiro pra cortá-los então, crescem mais do que deseja, dando-lhe uma aparência mais suja do que, de fato, ele teria. Mora no quarto dos fundos da casa de uma tia velha. Sempre teve problemas com álcool e, por isso, acabou separando-se. A mulher, um belo dia, saiu porta fora, com os três filhos: - Estou indo pra casa da minha mãe, em Belford Roxo. Só volte se parar de beber. Você é um bêbado, Rique! Esse diálogo aconteceu já faz mais de 7 anos. Henrique nunca mais viu a esposa, os filhos, e sequer parou de beber, pelo contrário: afundou na cachaça ainda mais. Não tinha como pagar o aluguel da casa de dois quartos, na Pavuna, onde vivia com a Brenda Maria (sua Brendinha). Entreg...

Mário ou Erick?

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Eu estava na praia, no canto de sempre, as pessoas de sempre. Ele veio de longe. Nos viu de longe - Oi, posso deixar aqui com vocês? - Pode sim. Deixa aqui, ó.  - Obrigado. Ele pousou, na areia, chinelo e camisa. Foi ao mar, com segurança, portando uma câmera num cabo comprido. Dessas, que fotografam dentro do mar. Dessas:  Mário é seu nome. Tem 17 anos, estuda no colégio ainda. Mora com os pais, em Copacabana.  Mário sempre foi um menino aventureiro, inquieto - mas não hiperativo. Seus pais sempre o admiraram, pelo seu jeito todo particular de ser.  Mário é menino de muitos amigos, mas íntimos mesmo, só de dois, com quem divide a sua vida - e as suas melhores fotos. Não tem namorada, nem deseja por enquanto.  Não sabe ainda o que vai fazer no vestibular, nem sabe se vai fazer vestibular mesmo. "Esse desejo insano por ter uma profissão, logo aos 18 anos... eu não tenho pressa", dizia ele.  Mário, apesar de inquieto, é um menino i...

Germano

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Conhecemos Germano ontem, na Lapa. Conhecemos porque ele foi fotografado a quatro-mãos.  Germano não estava só, mas das vezes que foi fotografado, sim.  É um homem bonito, de olhar e alma (e o sorriso?) limpos, bonitos. Vestia blusa branca, de malha, bermuda, tênis. Usa dreads no cabelo e é barbado. Tem um olhar penetrante, profundo. Achamos, inclusive, que ele namorava a moça da banda, que tocava no bar, pela forma como ele olhava para ela. O seu olhar, além de contemplador, era um olhar afetivo, calmo, do bem. Germano tem 32 anos, e mora em Santa Teresa, numa casa grande e antiga. É botânico - e pesquisador - do Jardim Botânico. Já trabalhou no Burle Marx e em outros locais. Ele gosta, mesmo, de trabalhar no JB, de conhecer, estudar, plantar e replantar plantas.  Ele não é do tipo que conversa com as plantas e árvores. Acha isso infantil, até. Germano sente a energia das plantas - e da natureza - e gosta da troca que ocorre no seu trabalho. Ele sai, ...

Era uma velhinha...

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Eu não sei seu nome. Nem perguntei. Não importa pra este conto. Nem pro nosso encontro. Fui à praia sozinha. Encontrei uma amiga por lá, depois; mas, na ida, no caminho, no encontro com meu lugar sagrado, eu estava só.  Eu moro no início de Copacabana, e vou a praia no Leme. Então, é uma pequena caminhada, pelo calçadão, olhando as pessoas, o mar, as crianças, os cachorros... Olho tudo, menos os carros. (rs) Nossa personagem era magra, bem magra. Devia beirar os 70 anos. Vestia um shortinho de pano, deixando suas pernas brancas bezuntadas de protetor solar de fora, e uma camisetinha, combinando. Uma sapatilha branca, de pano, velhinha, compunha o conjunto.  Tinha um olhar sorridente (embora não sorrisse), contemplativo. Parecia sozinha, sentada numa cadeira de rodas, na beirada do calçadão (a beirada mais próxima da areia). Percebi, a alguns metros, alguém semelhante a uma enfermeira. Uma moça mulata, baixinha, magrinha, pouco sorridente, comprando um coco....

Um ano se passou

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Meu tio – sábia pessoa – me diz que quando a gente fala do outro – para o outro – a gente fala da gente mesmo.  Há quem ache que esta carta é para AnaZ. Desculpa te decepcionar: ela não vai ler. Eu vou ler. Nós vamos. Então, apesar de endereçada a ela, é uma carta pra gente mesmo. Pra mim, pra você, pra quem quiser ler (ou não). Nada ficou a ser dito, AnaZ. Embora eu ache que sim; eu também acho que não. Muitos perdões. Muitos obrigadas. Muitos te perdôo. Muitos te amo. Ou minutos mais cedo – ah, se eu tivesse sido mais rápida naquela manhã de sábado – eu teria pego você, ainda, com um ultimo sopro de vida. Mas eu cheguei, e você já tinha ido.  Enfim, depois de quase 2 anos lutando com uma doença ingrata, você se permitiu perder o controle mesmo. Não, a gente não sabe como é ficar 2 anos quase ininterruptos sem respirar, entubada, vivendo e dependendo de um oxigênio artificial para (SOBRE)viver. Não, a gente não sabe como é ficar numa cama de hospital, cons...