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Em observação, no Uber - 38

Hoje é quinta-feira. São 13h10. Estou no Uber, sentada. Ao meu lado direito, porta fechada e janela aberta. Na minha frente, um banco vazio. Ao meu lado esquerdo, André sentado carregando uma mochila preta e sacolas plásticas. E mexendo no celular Samsung. Veste calça jeans. O celular bipa. WhatsApp da Jaqueline. - Que foi, amor? Tá vazando? Faço. Que foi? Vazou alguma coisa? Oi. Tá bom. Tá. Cuidado aqui, oh. Não. Acho que não. Tá bom assim. Eita. Agora que eu vi que é um carro. Será que é esse cara? Desviou de alguma coisa no trânsito. Que loucura.

Em observação, na rua Almirante Barroso

Hoje é quinta-feira. São 12:57. Estou sentada no ponto de ônibus na rua Almirante Barroso. - Pediu do lado errado né? Entendi. O celular bipa. WhatsApp do Jorge e da Priscilla. Na minha frente, André em pé. Carrega uma mochila preta e sacolas plásticas brancas. Veste calça jeans, blusa cinza e tênis preto. Usa uma pulseira preta no pulso esquerdo. Usa máscara preta. Mexe no celular Samsung. - Que foi, André? Que foi, amor? Ao meu lado direito, um banco vazio. Ao meu lado esquerdo, a calçada vazia. Na minha frente, o André em pé. Saiu da minha frente. Uma mulher senta ao meu lado direito. - Oi. André passa na minha frente. Carrega uma mochila preta e sacolas plásticas brancas. Veste calça jeans, blusa cinza e tênis preto. Usa uma pulseira preta no pulso esquerdo. Usa máscara preta. Mexe no celular Samsung.

Em observação, no Uber - 37

Hoje é quinta-feira. São 10:25. Estou no Uber, sentada. Ao meu lado direito, André sentado com uma mochila preta no colo e segurando o celular. Na minha frente, Sérgio dirigindo. Ao meu lado esquerdo, porta fechada e janela aberta. - Que horror. Claro. Sérgio veste uma blusa verde. - Sim. André digita no celular. Coloca a mão esquerda na minha perna. - Pois é. Podia já ter entregue lá atrás. Ele fal pra caralho né? Sim. Sim. Eu acho ele meio chato.

E o alimento foi outro

É época de pandemia. As pessoas passam com medo e muito rapidamente na rua. Se eu já não era visto, agora menos.  Eu estava sentado, no lugar de sempre. Faminto. Sedento. Nos sentidos literal e metafórico. Acho que as escolas não estão funcionando, mas aparece uma menina, de mochila. Não sei quantos anos ela tinha. Só conseguia ver seus olhos, e não sua boca. Não sei se ela sorria. Mas pelos seus olhos, sim. - Você quer água? E, como estava sedento, ela abriu a mochila e me entregou uma garrafa, que trouxe da sua casa, para mim.  E pedi a ela um favor. - Pode dizer - ela disse. - Eu estou muito faminto. Você pode comprar uma comida pra mim? Tem um homem, ali, na outra esquina, que vende comida em um carro.  - Tá. Eu vou ali e volto. Ela demorou mais tempo do que o previsto, e eu já tinha certeza de que ela havia dito "sim", mas na verdade, tinha ido embora. Como estou habituado, a (não) receber. A ouvir "sim", e ver as pessoas fugirem, correrem, terem medo.  Mas ela...

Em observação, na Gauísa - 10

Hoje é domingo.  São 09:39. O celular bipa. Email da Posthaus que chegou.  Estou na Gauisa,  sentada. - Oi. Não entendi. Ali perto da portinha. Estou sentada no banco na varanda.  - Você botou os panos para lavar? Não ouvi. Ah sim.  Ao meu lado direito,  um banco vazio. Ao meu lado esquerdo, um vaso de planta e uma lixeira verde. Na minha frente,  um vão, por onde as pessoas passam. - O que? Ah sim. É.  André vem e senta ao meu lado.

Aparecida e a pesquisa

(Escrito em 28 de abril de 2020) O dia era terça-feira. Por volta das 17h.  Raramente meu celular toca. Exceto de telemarketing, com os DDDs 11.  Eis que estou trabalhando e toca um número de celular com DDD 21. - Alô? - Boa tarde, sou a Aparecida, falo com quem? - Oi, Aparecida. Eu sou a Luana. Posso ajudá-la? - Sim. [E falando pausadamente, e meio triste] - Na impossibilidade de encontros pessoais e na rua, por este momento que estamos vivendo caótico, estou fazendo uma pesquisa e a pergunta que quero lhe fazer é: o que você acha do futuro da humanidade? Para onde a humanidade está indo? Incrédula com a pergunta tão provocativa e abrangente, respondo com outra pergunta: - Onde você conseguiu o meu número, Aparecida? - Discamos aleatoriamente, senhora... Luana! [Ela lembrou do meu nome]. Discamos, e quando uma pessoa atende, dizemos "alô" e fazemos a pesquisa. - Ah, que legal, Aparecida! Eu gostaria de não responder a esta pergunta en...

A experiência de confinamento - o vizinho pagodeiro

(Escrito em 07 de abril de 2020) Este momento de COVID19 nos causa temor, ansiedade, até um certo pânico. Eu e minha família estamos reclusos totalmente. Hoje faço 21 dias sem sair de casa. Nem para ir ao mercado. Todas as compras que precisamos fazer, fazemos online. Mas aconteceu um fato inédito. Dois, na verdade, seguidos. Há um prédio, na minha rua, mas distante do meu por duas quadras. Este, é mais alto que o meu. E no domingo retrasado, dia 05 de abril, ouvimos um barulho. Como se fosse alguém cantando bem próximo a nós. Fomos procurar e entre tantas varandas e prédios, achamos o cantor. Chama-se @plcantor. Ele estava tocando pagode, da sua varanda, para seus vizinhos.  Microfone, amplificador ligado, ele com a ginga, e ainda podia divulgar o seu trabalho (e o seu instagram!) E, da minha casa, distante uns bons cem ou cento e cinquenta metros, podíamos ouvi-lo com nitidez. Daqui de casa, dançamos o pagode do @plcantor. E ouvíamos os vizinhos aplaudindo,...

Aniversário da amiga

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(Escrito em Janeiro de 2020) Eu estava trabalhando. Tranquila, feliz, e cheia de trabalho, como é o dia-a-dia. Numa zapeada rápida no facebook, vi que era aniversário de uma colega de trabalho, que trabalha em outro andar, diferente do meu. Apesar de a gente ter pouco contato físico e pouca interação (só quando passamos uma pela outra), gosto muito dela. Principalmente, porque ela tem uma profissão que amo: bibliotecária. Sabe livros? A gente os ama. E era aniversário dessa pessoa. Corta. Eu cuido de alunos que estudam EaD. De toda parte do Brasil e do mundo. E faço a gestão dos grupos do whatsapp. Um dos grupos, 40 alunos. Eis que vejo os alunos interagindo por ali sobre a biblioteca, que não-sei-bem-que-problema-deu. Eu precisaria dar o e-mail da colega para eles resolverem. Sim, o e-mail da moça que faz aniversário hoje. Eis que... E eu precisei ir ao andar dela, para resolver coisas em outro setor. E passei na biblioteca dela (ai de vocês que digam que a bibli...

Ligou engano

(Escrito em Janeiro de 2020) Eram quase 23h. Por um motivo qualquer, eu ainda estava acordada. Momento raro, neste horário. O celular toca. Número restrito. Aquele micro-segundo. - Filha em casa? Marido em casa? Todos em casa. Vou atender, né? Vai que... - Alô. - Mãaaaaee.... Sinto cheiro de golpe e a minha veia humorada não estava saltada dessa vez. - Ligou engano, amigão. A mesma pessoa que me chamou de mãe, não mais que de repente, diz: - Oi, minha linda... - com a voz do antigo tele-sexo (ainda existe isso?) - Continua ligando engano. Não sou a sua linda. São 23h. Ele não espera que eu tenha bom humor neste horário, né? - Ah, você não é a minha linda...? - com a voz ainda mais sensual. Coloquei o celular no viva voz. E entra o marido no quarto. - Quem era amor? - Engano, paixão. Primeiro um rapaz achando que eu era a mãe dele. E em seguida achando que eu era a linda dele. Ou seja: não era pra mim. Ligou engano. E eis ...

Vamos pra Júpiter?

(Escrito em Novembro de 2019) Era domingo. Antes das 16h. Eu estava andando próximo de casa, em direção ao ponto de ônibus, na rua paralela à minha. E descobri que nesta rua, que ando todos os dias, tem uma casa de festas infantis. A correria-do-dia-a-dia não me permite ver nem os muros coloridos? E atravessam a rua um menino de por volta dos seus quatro anos, carregando uma caixa, com talvez os brindes e brinquedos que acabou de ganhar da festa. E de cada lado seu, papai e mamãe. Eu consegui pegar um micro-fragmento do diálogo. - Para onde vamos agora, filhão? - Vamos para Jupiteeeeeeeer!!!!! - Não, cara - entre risos - para Júpiter não dá pra gente ir. Pode ser pro shopping? Eu, que estava adiantada para o meu compromisso, dei uma meia trava no passo, travei olhar com o papai, que fez a pergunta, e ele assentiu com a cabeça, com um sorriso. - Oi, cara. Qual o seu nome? Ele olhou para o pai, como a pedir permissão. - Meu nome é Artur! - mei...