Dois anos


[A carta de um ano, aqui]

Ana Zanelli, de novo, esta carta não é para você. É para nós. Ou para mim. Para quem quiser ler, ou não. Você não lê mais onde está. Onde você está?

Esta noite tive insônia, e não lembrava bem por qual motivo. Olhando a data no celular, me lembrei. A noite de 27 para 28 de abril de 2012 foi a sua última. 

E, agora, dois anos depois, ainda sinto uma saudade grande de você. Não sempre, não todos os dias. Mas, agora, escrevendo, lembro de você com nitidez. 

Eu achei que eu fosse viver pra sempre com a minha mãe viva. Sempre. Pra sempre. Mas as pessoas morrem. Até a mãe da gente morre, veja que coisa! 

E, quando a mãe morre - quando você morreu - parece que a gente queima um diário, no fogo, que a gente escreveu desde que nasceu. Morreu a nave espacial. A casa que a gente veio ao mundo. E, toda a história que vai ser escrita, vai ser re-escrita-des-crita a partir dali: 28 de abril de 2012.

Sinto saudades de você me chamando de Quinha. Sinto saudades de você coçando minhas costas. Sinto saudades do seu pote de biscoito maisena, ao lado da cama. Sinto saudades de tantas coisas... Sinto saudades da sua risada, e até do seu silêncio. E de ver o seu celular na minha bina do meu celular, me ligando dezenas de vezes por dia. Tu era chata, hein, mermão?

E, agora, dois anos depois, a vida mudou tanto. Eu tinha tanta vontade de te contar...

"Ah, mas ela sabe onde ela estiver. Ela está feliz por você. Ela está, ela está, ela está".

Eu acredito numa vida espiritual, Ana Zanelli, embora não saiba bem como é isso. Mas eu acredito, sobretudo, que onde quer que você... (qual o verbo?), você não ESTÁ mais. 

Almas, espíritos, seres espirituais não ESTÃO mais. Nem sei se SÃO. Não importa mais.

Às vezes, eu sinto você. Às vezes, eu sonho com você (sonhos felizes ou pesadelos). E eu acordo, às vezes, com mais saudades ainda.

Mas eu queria mesmo, te contar que emagreci 42 kg. Te contar que conheci o André, e que ele é Professor de Português e Literatura! E que escreve fodamente! E que seria seu aluno da Oficina da Palavra, e que seria seu amigo. Queria te contar que me separei de pessoas, encontrei outras. Queria te contar que deixei uma vida (meia-vida) pra trás e recomecei outra. Queria te contar do meu pai e da Gaeth. Queria te contar, que, agora, deixo o cabelo curto, bem encaracolado, e descabelada, como você bem gostava.

Eu sei que gostaria de ter me despedido de você, no seu último dia, sua última noite. Mas não cheguei a tempo. "O relógio já tinha parado e vocês ainda ficavam dando corda". Eu tentei dar corda, pra poder dizer "tchau". 

Mas eu e Mônica vestimos o seu corpo - sim, porque não era mais você - com sua roupa mais confortável, que você gostava, e colocamos uma meia, pois você não gostava de dormir com os pés gelados. E penteamos você. 

Mas você já tinha ido. Já não era mais minha nave espacial. Foi voar por um lugar de saúde onde você pudesse, enfim, respirar.

E é a sua respiração livre que me faz respirar, também, e saber que, na verdade, não preciso te contar nada não. 

A vida tem acontecido do lado de cá. Muito feliz. Sei que do lado daí também. 

Viva-descanse em paz, minha velha. Todo o meu amor e agradecimento. Por ter sido minha mãe, minha AnaZ amada.

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