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Vamos pra Júpiter?

(Escrito em Novembro de 2019) Era domingo. Antes das 16h. Eu estava andando próximo de casa, em direção ao ponto de ônibus, na rua paralela à minha. E descobri que nesta rua, que ando todos os dias, tem uma casa de festas infantis. A correria-do-dia-a-dia não me permite ver nem os muros coloridos? E atravessam a rua um menino de por volta dos seus quatro anos, carregando uma caixa, com talvez os brindes e brinquedos que acabou de ganhar da festa. E de cada lado seu, papai e mamãe. Eu consegui pegar um micro-fragmento do diálogo. - Para onde vamos agora, filhão? - Vamos para Jupiteeeeeeeer!!!!! - Não, cara - entre risos - para Júpiter não dá pra gente ir. Pode ser pro shopping? Eu, que estava adiantada para o meu compromisso, dei uma meia trava no passo, travei olhar com o papai, que fez a pergunta, e ele assentiu com a cabeça, com um sorriso. - Oi, cara. Qual o seu nome? Ele olhou para o pai, como a pedir permissão. - Meu nome é Artur! - mei...

Francilene?

(Escrito em Setembro de 2019) O celular toca. Sexta-feira, 19h. - Francilene? - É engano. - É a Ana, Francilene. - Oi, Ana. Meu nome não é Francilene. Você ligou engano. - Qual o seu número, amiga? - Para qual número você ligou? Ela diz o número. Totalmente diferente do meu. - Este número é totalmente diferente do meu. - E agora? O que eu faço? - Tenta ligar novamente pra Francilene.  - Tá bom, vou fazer isso.  - Tá bom, boa noite. - Olha, antes de você desligar... Eu sou testemunha de Jeová, e ia passar a palavra para a Francilene. Você tem interesse de ouvir a palavra de Jesus Cristo? - Eu agradeço muito, Ana. Mas eu sou de outra religião. Tenta ligar para a Francilene novamente. - Você é adoradora do diaaaaaaaaabo! Tá repreendidoooooooo.

E as ligações continuam...

(Escrito em Julho de 2017)  De férias, em casa, meu celular toca. Número desconhecido. Em geral, não costumo atender, mas só fui ver que era desconhecido depois de dizer "alô". - Alô. - E aí, tudo bem? - Quem tá falando? - Não acredito, não reconheceu minha voz? - Qual o seu nome? - Não está reconhecendo a minha voz, minha linda? - Eu gostaria de saber o seu nome. - Sou seu primo, de fora do Rio. - Vou repetir. Qual o seu nome? - Safada, cachorra. Ainda permaneceu em silêncio e ouvi um diálogo, ao fundo: "com esta a gente não conseguiu, mano".

Filho dela

(Escrito em Junho de 2016) Eu não me lembro direito seu nome. Nomes são importantes. Gosto de saber o nome das pessoas. Eu já tinha visto foto dele. Já tinha ouvido sua mãe falar dele. Convivo com ela, diariamente.  Eu o via - além das fotos - como um menino agitado, falante. Até meio inquieto.  E eu cheguei à festa. Um pouco atrasada, o que não é meu habitual. Lá estava ele e sua família. Talvez seus oito ou nove anos.  - Boa tarde, minha gente! - Oie. Este é o Fulano, meu filho! - ela disse. Ele, que estava sentado, à mesa, de costas para mim, deu uma virada de cabeça. Pude ver seu corpinho magro, e seus olhos grandes e azuis apontados para mim. Com um meio sorriso, me apontou um pedaço de linguiça no palito. - Quer uma linguiça? E você ainda me pergunta por qual motivo eu amo as crianças? 

Sobre a violência

(Escrito em 04 de abril de 2016) Centro do Rio, obras do VLT, Largo da Carioca. Dia útil, perto de 13:00h Estava indo almoçar com meu noivo, quando começamos a ouvir uma gritaria, vindo, ali, do nosso lado esquerdo. - Pega ladrão, pega, pega, pega!!! Um homem corria, portando alguma coisa que não era dele. Eu conseguia ver os saltos que ele dava por cima das pessoas, rumo a algum lugar, que não bem ali.  Se não fosse um assaltante, ou uma cena de medo, diria ver um bailarino, ou um esportista pulando obstáculos. Suas pernas e braços dançavam. Seu corpo magro gingava. E seu olhar - consegui ver - era de medo. Ali, naquele vão para entrar no metrô, consegui ver que um homem conseguiu paralisá-lo. A dança parou. O olhar de medo intensificou. Aglomerou gente em volta. A gritaria continuou. Piorou. Gente achando que o homem devia ser linchado, espancado, estapeado. O homem que o conseguiu paralisar era um terno-e-gravata-de-advogado. Jovem. Devia ter a m...

Cauã

(Escrito em 10 de janeiro de 2016) Era uma família de cinco. Estavam na praia, bem próximos a mim. Mãe, pai, uma filha de talvez uns treze, uma filha de talvez uns sete, e ele com uns cinco. A filha mais velha era adotada. A mãe, já próximo aos seus 30, apesar de seis anos de casada, não conseguia engravidar ("tento desde a lua-de-mel", dizia ela), resolveram adotar.  Uma menina doce, que vivia no orfanato ao lado da sua casa, ali no Leme. Foi amor à segunda vista. Da primeira vez que estivera no orfanato, estava sem o marido. E, da segunda vez, com eles, ambos amaram a pequena menina, sorridente e sozinha, num cantinho, com suas bonecas. Devia ter uns três anos. Ninguém sabia a sua idade real. Todo o processo de adoção levou uns dois meses, mas eles iam dia sim - dia não visitar a sua menina. Hoje, ela está com treze e se chama Elisabeth, e está legalmente registrada como filha do casal. É uma adolescente doce, amorosa, e independente. Ama os irmãos. Todos s...

O moço e o sábado

(Escrito em 11 de dezembro de 2015) Era um sábado à tarde. 15:00h e pouco. Eles dois tinham ido me pegar no consultório, num fim dum dia de sete pacientes. Estavam sentados no hall dos elevadores do meu andar. Dali, íamos ao teatro, nós três. Eu, que não havia almoçado, sugeri um Mc Donalds. Tava a fim de comer besteira. Eu fui primeiro ao segundo andar, com a minha bandeja. Ela veio depois. E, por mim, seu pai.  Estávamos conversando sobre qualquer-coisa, quando ela saca o livro da bolsa e começa a nos contar charadas. Eis que chega um moço meio estranho.  Tá bom, eu gosto de gente estranha. Eu sou estranha. Nós somos. Nós duas, por exemplo, estamos sempre meio descabeladas e fazendo, de vez em quando, uma mini-bagunça. Mas o moço era um estranho-estranho-mesmo. Cruzou o olhar conosco e puxou assunto com ela. Perguntava o que estava lendo. Ela, que não gosta muito de papo com quem não conhece, olhou pra gente, e sorriu, tímida. O moço esta...

Sobre a gripe

(Escrito em 30 de novembro de 2015) Você está em casa, numa segunda-feira chuvosa. Você e sua família. A campainha toca. O interfone não tocou anunciando a subida de ninguém. Sim, é aquela visita, que vem, pelo menos, uma vez a cada duas semanas. Todas as vezes sem ser convidada. - E aí? (E a visita não é íntima...) - Boa noite. Tudo bem? - Tudo, e você? - Muito gripada... - Tá gripada por que quer? - É mesmo? - Claro! Toma Bala Halls preta todos os dias. Uma por dia, que você nunca vai ter nenhuma gripe. - Obrigada pela dica. Devo chamá-lo de "Doutor"?

Sobre o encontro com Papai Noel

(Escrito em 15 de novembro de 2015) Em geral, saio do consultório próximo das 21:00h. E estou habituada, neste horário, a não encontrar com ninguém no elevador, quando desço. Então, devido ao cansaço e após o atendimento, a Luana-distraída tomava conta de mim. Ontem foi diferente. Entrei no elevador e lá tinha um homem grande, enorme,  e barrigudo, daquelas barrigas de vovô, velhinho. - Que susto... Eu só me dei conta dele depois que já estava dentro do elevador, com as portas fechadas. (O que é péssimo; só se dar conta da pessoa ali dois segundos depois). - ... não costumo encontrar ninguém neste horário... Ele deu uma risada gostosa. - Ainda mais o Papai Noel, não é? E aí é que eu fui olhar bem para ele. Tipo olho-no-olho. Devia beirar seus 60 ou 70 anos. Cabeça branca. Barba branca. Bem alto. Barrigudo. Calça social preta, blusa social branca. Suspensórios. De novo: suspensórios. Seus olhos sorriam.  (Anotem aí: crianças de suspensórios ...

Marcela

(Escrito em 05 de novembro de 2015) Eu tinha quase 30 dias de empresa quando a conheci, na integração. "Você é que é a Luana? Luana Zanelli? Já ouvi falar muito bem de você". Uma menina doce, assim, sorrindo facilmente, meio falante, e com olhos cor do mar, sorria pra mim. Eu sorri tímida e disse só um "É...?", e tive o desejo imediato de ser amiga dela. Entre indas e vindas, e corredores, me mudei para a sala do lado da dela. E hoje - antes da mudança, aliás - nos tornamos amigas. Conheço ela, a mãe, a casa do namorado, o namorado, o pai, a mãe, a tia do namorado. Até a ex mulher do namorado. E os filhos do namorado. E conheço os seus desejos de viajar. E de ir. E voltar. E de ser livre. Outro dia, fomos tomar uma caipirinha, no final de um dia de trabalho, sem nenhuma programação. Já fomos almoçar, também, sem data marcada. É uma menina forte, e doce. E amorosa, e de riso fácil. E choro também. Gosto de ir à sala dela. Sempre peço ...