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Em observação, na Gauísa - 10

Hoje é domingo.  São 09:39. O celular bipa. Email da Posthaus que chegou.  Estou na Gauisa,  sentada. - Oi. Não entendi. Ali perto da portinha. Estou sentada no banco na varanda.  - Você botou os panos para lavar? Não ouvi. Ah sim.  Ao meu lado direito,  um banco vazio. Ao meu lado esquerdo, um vaso de planta e uma lixeira verde. Na minha frente,  um vão, por onde as pessoas passam. - O que? Ah sim. É.  André vem e senta ao meu lado.

Aparecida e a pesquisa

(Escrito em 28 de abril de 2020) O dia era terça-feira. Por volta das 17h.  Raramente meu celular toca. Exceto de telemarketing, com os DDDs 11.  Eis que estou trabalhando e toca um número de celular com DDD 21. - Alô? - Boa tarde, sou a Aparecida, falo com quem? - Oi, Aparecida. Eu sou a Luana. Posso ajudá-la? - Sim. [E falando pausadamente, e meio triste] - Na impossibilidade de encontros pessoais e na rua, por este momento que estamos vivendo caótico, estou fazendo uma pesquisa e a pergunta que quero lhe fazer é: o que você acha do futuro da humanidade? Para onde a humanidade está indo? Incrédula com a pergunta tão provocativa e abrangente, respondo com outra pergunta: - Onde você conseguiu o meu número, Aparecida? - Discamos aleatoriamente, senhora... Luana! [Ela lembrou do meu nome]. Discamos, e quando uma pessoa atende, dizemos "alô" e fazemos a pesquisa. - Ah, que legal, Aparecida! Eu gostaria de não responder a esta pergunta en...

A experiência de confinamento - o vizinho pagodeiro

(Escrito em 07 de abril de 2020) Este momento de COVID19 nos causa temor, ansiedade, até um certo pânico. Eu e minha família estamos reclusos totalmente. Hoje faço 21 dias sem sair de casa. Nem para ir ao mercado. Todas as compras que precisamos fazer, fazemos online. Mas aconteceu um fato inédito. Dois, na verdade, seguidos. Há um prédio, na minha rua, mas distante do meu por duas quadras. Este, é mais alto que o meu. E no domingo retrasado, dia 05 de abril, ouvimos um barulho. Como se fosse alguém cantando bem próximo a nós. Fomos procurar e entre tantas varandas e prédios, achamos o cantor. Chama-se @plcantor. Ele estava tocando pagode, da sua varanda, para seus vizinhos.  Microfone, amplificador ligado, ele com a ginga, e ainda podia divulgar o seu trabalho (e o seu instagram!) E, da minha casa, distante uns bons cem ou cento e cinquenta metros, podíamos ouvi-lo com nitidez. Daqui de casa, dançamos o pagode do @plcantor. E ouvíamos os vizinhos aplaudindo,...

Aniversário da amiga

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(Escrito em Janeiro de 2020) Eu estava trabalhando. Tranquila, feliz, e cheia de trabalho, como é o dia-a-dia. Numa zapeada rápida no facebook, vi que era aniversário de uma colega de trabalho, que trabalha em outro andar, diferente do meu. Apesar de a gente ter pouco contato físico e pouca interação (só quando passamos uma pela outra), gosto muito dela. Principalmente, porque ela tem uma profissão que amo: bibliotecária. Sabe livros? A gente os ama. E era aniversário dessa pessoa. Corta. Eu cuido de alunos que estudam EaD. De toda parte do Brasil e do mundo. E faço a gestão dos grupos do whatsapp. Um dos grupos, 40 alunos. Eis que vejo os alunos interagindo por ali sobre a biblioteca, que não-sei-bem-que-problema-deu. Eu precisaria dar o e-mail da colega para eles resolverem. Sim, o e-mail da moça que faz aniversário hoje. Eis que... E eu precisei ir ao andar dela, para resolver coisas em outro setor. E passei na biblioteca dela (ai de vocês que digam que a bibli...

Ligou engano

(Escrito em Janeiro de 2020) Eram quase 23h. Por um motivo qualquer, eu ainda estava acordada. Momento raro, neste horário. O celular toca. Número restrito. Aquele micro-segundo. - Filha em casa? Marido em casa? Todos em casa. Vou atender, né? Vai que... - Alô. - Mãaaaaee.... Sinto cheiro de golpe e a minha veia humorada não estava saltada dessa vez. - Ligou engano, amigão. A mesma pessoa que me chamou de mãe, não mais que de repente, diz: - Oi, minha linda... - com a voz do antigo tele-sexo (ainda existe isso?) - Continua ligando engano. Não sou a sua linda. São 23h. Ele não espera que eu tenha bom humor neste horário, né? - Ah, você não é a minha linda...? - com a voz ainda mais sensual. Coloquei o celular no viva voz. E entra o marido no quarto. - Quem era amor? - Engano, paixão. Primeiro um rapaz achando que eu era a mãe dele. E em seguida achando que eu era a linda dele. Ou seja: não era pra mim. Ligou engano. E eis ...

Vamos pra Júpiter?

(Escrito em Novembro de 2019) Era domingo. Antes das 16h. Eu estava andando próximo de casa, em direção ao ponto de ônibus, na rua paralela à minha. E descobri que nesta rua, que ando todos os dias, tem uma casa de festas infantis. A correria-do-dia-a-dia não me permite ver nem os muros coloridos? E atravessam a rua um menino de por volta dos seus quatro anos, carregando uma caixa, com talvez os brindes e brinquedos que acabou de ganhar da festa. E de cada lado seu, papai e mamãe. Eu consegui pegar um micro-fragmento do diálogo. - Para onde vamos agora, filhão? - Vamos para Jupiteeeeeeeer!!!!! - Não, cara - entre risos - para Júpiter não dá pra gente ir. Pode ser pro shopping? Eu, que estava adiantada para o meu compromisso, dei uma meia trava no passo, travei olhar com o papai, que fez a pergunta, e ele assentiu com a cabeça, com um sorriso. - Oi, cara. Qual o seu nome? Ele olhou para o pai, como a pedir permissão. - Meu nome é Artur! - mei...

Francilene?

(Escrito em Setembro de 2019) O celular toca. Sexta-feira, 19h. - Francilene? - É engano. - É a Ana, Francilene. - Oi, Ana. Meu nome não é Francilene. Você ligou engano. - Qual o seu número, amiga? - Para qual número você ligou? Ela diz o número. Totalmente diferente do meu. - Este número é totalmente diferente do meu. - E agora? O que eu faço? - Tenta ligar novamente pra Francilene.  - Tá bom, vou fazer isso.  - Tá bom, boa noite. - Olha, antes de você desligar... Eu sou testemunha de Jeová, e ia passar a palavra para a Francilene. Você tem interesse de ouvir a palavra de Jesus Cristo? - Eu agradeço muito, Ana. Mas eu sou de outra religião. Tenta ligar para a Francilene novamente. - Você é adoradora do diaaaaaaaaabo! Tá repreendidoooooooo.

E as ligações continuam...

(Escrito em Julho de 2017)  De férias, em casa, meu celular toca. Número desconhecido. Em geral, não costumo atender, mas só fui ver que era desconhecido depois de dizer "alô". - Alô. - E aí, tudo bem? - Quem tá falando? - Não acredito, não reconheceu minha voz? - Qual o seu nome? - Não está reconhecendo a minha voz, minha linda? - Eu gostaria de saber o seu nome. - Sou seu primo, de fora do Rio. - Vou repetir. Qual o seu nome? - Safada, cachorra. Ainda permaneceu em silêncio e ouvi um diálogo, ao fundo: "com esta a gente não conseguiu, mano".

Filho dela

(Escrito em Junho de 2016) Eu não me lembro direito seu nome. Nomes são importantes. Gosto de saber o nome das pessoas. Eu já tinha visto foto dele. Já tinha ouvido sua mãe falar dele. Convivo com ela, diariamente.  Eu o via - além das fotos - como um menino agitado, falante. Até meio inquieto.  E eu cheguei à festa. Um pouco atrasada, o que não é meu habitual. Lá estava ele e sua família. Talvez seus oito ou nove anos.  - Boa tarde, minha gente! - Oie. Este é o Fulano, meu filho! - ela disse. Ele, que estava sentado, à mesa, de costas para mim, deu uma virada de cabeça. Pude ver seu corpinho magro, e seus olhos grandes e azuis apontados para mim. Com um meio sorriso, me apontou um pedaço de linguiça no palito. - Quer uma linguiça? E você ainda me pergunta por qual motivo eu amo as crianças? 

Sobre a violência

(Escrito em 04 de abril de 2016) Centro do Rio, obras do VLT, Largo da Carioca. Dia útil, perto de 13:00h Estava indo almoçar com meu noivo, quando começamos a ouvir uma gritaria, vindo, ali, do nosso lado esquerdo. - Pega ladrão, pega, pega, pega!!! Um homem corria, portando alguma coisa que não era dele. Eu conseguia ver os saltos que ele dava por cima das pessoas, rumo a algum lugar, que não bem ali.  Se não fosse um assaltante, ou uma cena de medo, diria ver um bailarino, ou um esportista pulando obstáculos. Suas pernas e braços dançavam. Seu corpo magro gingava. E seu olhar - consegui ver - era de medo. Ali, naquele vão para entrar no metrô, consegui ver que um homem conseguiu paralisá-lo. A dança parou. O olhar de medo intensificou. Aglomerou gente em volta. A gritaria continuou. Piorou. Gente achando que o homem devia ser linchado, espancado, estapeado. O homem que o conseguiu paralisar era um terno-e-gravata-de-advogado. Jovem. Devia ter a m...