O dia em que conheci o Chico
(Escrito em 02 de dezembro de 2021)
Eu sou um homem. Casado. Um casal de filhos. Moro no Rio de Janeiro e tenho o mesmo emprego há muitos anos.
Meu pai, que já se foi, deixou uma casa em Petrópolis, para onde vou com a família às vezes. A pandemia me permitiu trabalhar de lá, algumas vezes. Os filhos gostavam, a esposa também. O clima era mais ameno e a gente podia curtir aquela casa arejada e espaçosa.
A casa fica em um condomínio e, como gosto de caminhar, às vezes eu ia dar um passeio pelas ruas ao entorno, dentro do próprio condomínio.
Descubro, nos primeiros dias, que quatro ou cinco casas ao lado da nossa estava Chico. Sim, o Buarque. Cruzamos algumas vezes por nossas andanças e caminhadas e disse a ele o quanto o admirava, não só a ele pessoa, mas ao seu trabalho. Suas músicas, seus livros. E seu filme. Meus filhos, apesar de jovens, também ouvem seus discos comigo. Mencionei uma música ou outra, que fazia parte da trilha sonora do meu lar, e ele lembrava exatamente em que disco estava, e o ano.
Zapeando as redes sociais, um dia, antes de dormir, vi um post do Chico dizendo que não ia poder estar em Portugal, para receber um prêmio, que cairia no dia da revolução dos cravos mas, em homenagem aos portugueses, e ao prêmio, colocaria cravos em sua janela, em forma de gratidão e lembrança. Era a sua forma de parecer não estar em Portugal, mas de prestar a homenagem, onde quer que estivesse.
Seria em um dia de abril. Neste dia, comentei com a esposa que, ao caminhar, levaria um cravo. Se eu cruzasse com o Chico, daria um cravo do jardim do meu pai a ele. A esposa e os filhos resolveram caminhar comigo, pois não acreditariam que eu encontraria o Chico, e iria caminhar com o cravo, e voltaria para casa com o mesmo cravo na mão.
Dobrando a esquina, quem está saindo de casa? Claro, a família estava errada: estava ali, na minha frente, o Chico. Carne, osso, e olhos azuis.
Disse a ele que vi seu post, na noite anterior, sobre o prêmio no dia da revolução dos cravos, e sobre a sua ideia de colocar os cravos em sua janela. E trouxe um cravo de minha casa, do jardim de tantos anos do meu pai, pra compôr também sua janela, com os demais cravos. De todos os cravos, aquele era o meu presente.
Ele ficou vermelho. Os desconhecidos diriam que era timidez. Mas pude ver surpresa e alegria. Ele soltou uma bela gargalhada. Olhou e cheirou o cravo. Apesar da pandemia, nos abraçamos.
Minha esposa e filhos ficaram incrédulos. Eu tinha certeza que o encontraria.
Minhas mãos ficaram perfumadas para sempre com o cheiro daquele cravo. E, apesar da tristeza da pandemia, ficarei para sempre com a lembrança dos passeios com Chico, e dos nossos breves diálogos, tão maravilhosos.
Ouvir Chico cantando é deslumbrante. Mas ouvir Chico conversando, só para os amantes de cravos.
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