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Sobre o encontro com Papai Noel

(Escrito em 15 de novembro de 2015) Em geral, saio do consultório próximo das 21:00h. E estou habituada, neste horário, a não encontrar com ninguém no elevador, quando desço. Então, devido ao cansaço e após o atendimento, a Luana-distraída tomava conta de mim. Ontem foi diferente. Entrei no elevador e lá tinha um homem grande, enorme,  e barrigudo, daquelas barrigas de vovô, velhinho. - Que susto... Eu só me dei conta dele depois que já estava dentro do elevador, com as portas fechadas. (O que é péssimo; só se dar conta da pessoa ali dois segundos depois). - ... não costumo encontrar ninguém neste horário... Ele deu uma risada gostosa. - Ainda mais o Papai Noel, não é? E aí é que eu fui olhar bem para ele. Tipo olho-no-olho. Devia beirar seus 60 ou 70 anos. Cabeça branca. Barba branca. Bem alto. Barrigudo. Calça social preta, blusa social branca. Suspensórios. De novo: suspensórios. Seus olhos sorriam.  (Anotem aí: crianças de suspensórios ...

Marcela

(Escrito em 05 de novembro de 2015) Eu tinha quase 30 dias de empresa quando a conheci, na integração. "Você é que é a Luana? Luana Zanelli? Já ouvi falar muito bem de você". Uma menina doce, assim, sorrindo facilmente, meio falante, e com olhos cor do mar, sorria pra mim. Eu sorri tímida e disse só um "É...?", e tive o desejo imediato de ser amiga dela. Entre indas e vindas, e corredores, me mudei para a sala do lado da dela. E hoje - antes da mudança, aliás - nos tornamos amigas. Conheço ela, a mãe, a casa do namorado, o namorado, o pai, a mãe, a tia do namorado. Até a ex mulher do namorado. E os filhos do namorado. E conheço os seus desejos de viajar. E de ir. E voltar. E de ser livre. Outro dia, fomos tomar uma caipirinha, no final de um dia de trabalho, sem nenhuma programação. Já fomos almoçar, também, sem data marcada. É uma menina forte, e doce. E amorosa, e de riso fácil. E choro também. Gosto de ir à sala dela. Sempre peço ...

Francisco e Vicente

(Escrito em Junho de 2015) O cenário era o Centro do Rio, ali, perto da Carioca. O horário? Tipo quase 20h. Era uma quarta-feira. Dia de consultório. Um dia de Junho, num frio úmido bem ruim. Choveu de manhã torrencialmente, e as muitas poças d'água nas ruas faziam do frio um lugar gélido. Foi quando avistei Francisco. Naquele trecho da Rua Uruguaiana, bem no início (esquina com Rua da Carioca). Em frente ao prédio nº 10 da rua. Na calçada do meio, onde há aqueles bancos de cimento, Francisco tocava um instrumento (que descobri chamar-se escaleta). É uma corneta, acoplada num mini-teclado. Parecia um brinquedo de criança, mas não era, pois o som era bom e bem alto. Francisco, apesar dos seus 38 anos, morava com os pais, já bem idosos e aposentados do Banco do Brasil. Era sustentado por eles "porque não parava em emprego nenhum". Era um rapaz (sim, ele se chamava de "rapaz") triste. Queria ser músico. Era músico, diriam os amigos. "Mas eu nã...

Três anos

(Escrito em abril de 2015) AnaZ Esta é mais uma daquelas cartas. Que você não vai receber, ou ler, ou saber. Verbos que não fazem mais sentido onde você "está". Entre aspas mesmo, porque estar também não é mais o verbo. Então, a carta é pra gente, mesmo. A gente que está aqui. Desde ontem - dia 27 - eu acordei com uma vontadezinha de chorar. Uma angústia inominável. "Porque está tristonha?", uma amiga perguntou. "Não sei. Acho que cansaço, só". Até que, aqui no trabalho, precisei planejar o dia de trabalho para o dia seguinte. E o dia seguinte era 28 de abril. Aquele dia. O seu último dia.  Eu lembro bem do Nilson (nosso tio Nil), e da Rosa me ligando.  E lembro da Moniquinha me contando que, após seu último banho, você ainda chamou por mim. Há três anos atrás. Três anos. Eu cheguei, lá, há três anos, um tiquinho atrasada. Você já tinha se ido. Já não estava mais ali, naquele corpo frágil e doente.  A gente colocou as...

Heloisa

                                                                (Escrito em 01 de abril de 2015) O trajeto era pouco comum. Ainda mais àquela hora da manhã. 8h, de uma quarta-feira. Metrô da estação General Osório.  Esta hora, eu prefiro o "carro das mulheres". Não por uma questão excludente, qualquer, mas, por dois motivos: em geral, são mais vazios; e, porque eu gosto de ver a cara das mulheres quando entra um homem distraído. Apesar de ser estação terminal, apesar de ser carro das mulheres, eu fui em pé. Todos os assentos já estavam ocupados quando entrei. Gosto sempre do final do vagão, onde consigo ficar encostada numa brecha entre o banco e a porta, de forma que posso ir lendo, sem precisar me segurar na barra-tão-disputada-por-todas-as-mãos. Em geral, eu disputo a leitura (atualmente, Kubler-Ross) com...

22h22

(Escrito em 14 de março de 2015) - 22 horas e 22 minutos, amor, faz um pedido! - Eu quero me casar com você. - Mas é um pedido secreto! - Eu quero me casar com você. - Mas, se são 22 horas e 22 minutos, é um pedido que vai se realizar em dois dias. - Eu quero me casar com você. Te amo, André Lima. Para sempre. Todos os minutos da nossa vida. (Editado em 18 de maio de 2020) E hoje estamos aqui, quatro anos casados.  E este é o meu desejo realizado de todos os dias. às 22h22 e em todos os minutos.

Fábio e o pai

(Escrito em 14 de fevereiro de 2015) Hoje fui à praia em companhia de mim (e meu livro).  Tão raro ir à praia sozinha, prazer que tive na minha adolescência / início da vida adulta, que até estranhei o silêncio da minha companhia na minha casa (praia = casa).  Muitas vezes, era difícil manter a leitura, com tantas coisas boas a serem apreciadas e vistas e ouvidas, além do meu silêncio. Eu já o tinha visto. Eu o chamarei de Fábio. Devia ter uns três ou quatro.  Corria e se divertia, sozinho, sem brinquedos. Como estava longe do mar, o pai deixava.  Foi quando ele e o pai passaram por mim, em direção ao mar. Sem mãos dadas. Apenas caminhando, lado a lado. - O que você estava falando com a mamãe, papai? - Pra ela não tirar a pelezinha. - A da unha? - É. Da unha. Você viu? - Eu já tirei a pelezinha da minha. - Mas isso machuca, cara. - Machuca não. Nem saiu sangue. Eu tirei..., a pelezinha da minha unha. - Eu me lembro, mas sangrou. -...

Ela na igreja

(Escrito em 10 de fevereiro de 2015) Eu a vi subindo as escadas rolantes do metrô.  Cabelos molhados às 11h? Que horas ela pega no trabalho? Andando devagar, com calma? Ainda comendo um biscoito? Vai engordar, essa danada... Resolvi segui-la. Ela vinha andando pela rua Uruguaiana, a passos lentos, observando as pessoas, os camelôs, a gritaria usual da região. Um quase-imperceptível-sorriso nos lábios me fez continuar seguindo-a.  Ela quase passou pela porta da igreja, deu meia trava no passo, olhou as horas e entrou. Ela, o pacote de biscoitos, a mochila nas costas. Fez o sinal da cruz. Me pareceu pouco familiarizada com o lugar. Procurou um banco vazio e ajoelhou-se no lugar apropriado para isso. (Qual o nome daquilo, apropriadamente acolchoado para os joelhos?) Olhou para a cruz, lá no altar, longe, onde aparecia a figura de Jesus e comeu mais um biscoito. De olhos bem abertos, começou, em voz alta. De novo: em voz alta. - Oi, Jesus. V...

Ele estava caído

(Escrito em 02 de janeiro de 2015) Eu estava há dias sem malhar, por conta de um problema na coluna. Sem saber se o problema é (era) sério ou não, apesar de ter ido ao médico e ele me impedido de fazer musculação. Resolvi ir hoje à academia, antes do tempo previsto pelo médico (que seria segunda-feira). Fiz 1h de bicicleta (quase 30 km) e, sem qualquer dor, suei muito. Consegui meditar (sim, eu medito em movimento) e suar monte de coisas que eu precisava, inclusive a dor. No caminho de volta, as pernas estavam quase anestesiadas (sem dor, mas um tanto quanto inseguras). Outro caminho escolhi, pois precisava passar na farmácia antes de voltar pra casa. Atravessei a rua e fui pelo outro lado do que o habitual. Eu o consegui ver. Estava de costas para mim / meu caminho. Era um senhor, de cerca de 70 anos. Talvez menos, mas a condição-da-rua o fazia mais velho na aparência. Estava caído, na rua. Não tinha caído naquele momento. Não tentava levantar-se. Não dormia. ...

A irmã esquizofrênica

(Escrito em 29 de dezembro de 2014) Esta noite quase não dormi. Uma dor ininterrupta  na coluna , parece que piorou esta noite, apesar dos relaxantes musculares a cada 6h. A falta de posição e a dor insuportável me fizeram ver o dia nascer, devagar. Sentir a quentura do meu corpo, e da cama, e da dor que vem do pescoço, ombro, braços, costas. Levantei cedo, para ter tempo de me arrumar vagarosamente, para vir trabalhar. Tirar a roupa e tomar banho exigiam movimentos antes desconhecidos. Qualquer movimento maior dos braços doía muito. Pensei numa roupa fresca e coloquei um vestido azul, de bolinhas. Estou queimada de sol e aproveitei pra colocar, também, um batom vinho. Até me acharia bonita hoje não fosse meu olhar triste, de dor. Odeio sentir dor. Estou no Espaço da Mulher. Aprendi, com a Alba, de deixar as duas portas do Espaço abertas, não só para ventilar (nosso ar condicionado está quebrado), mas para atrair pessoas a entrarem e po...