Armando e Isabela


A praia, sempre a mesma. Mesmo canto. Mesmas amigas. Os mesmos habitués de Praia do Leme. 

O mar, no entanto, não era o mesmo. Nesse dia, tinha um quê de agressivo. 

Não gosto de chamar a natureza de "agressiva"; ou de dizer que "a natureza devolve o que fazemos com ela". Acho deveras determinista, ou fatalista, ou pessimista. 

O mar, no entanto, não estava para peixe. No pouco tempo que ficamos na nosso canto, vimos três ou quatro afogamentos. Uma criança, inclusive, foi lambida pela onda do mar, bem na beiradinha. O salva-vidas (eu admiro estes profissionais) viu imediatamente na hora e conseguiu resgatar o pequeno antes que o mar o engolisse. 

Mas este não é para contar do meu dia na praia, no mar. Mas, sim, para fotografá-los. Incrivelmente, apesar de tratar de pais-e-filhos, este conto não fala de mães. Como se o pai do conto é que estivesse, há anos atrás, grávido.

O pai, Armando; a pequena, Isabela. Ele, 37 anos; ela, três.

Armando foi pai "tarde", como os amigos diziam. Ele mesmo nunca pensou na possibilidade de ter filhos, até chegar Renzo, seu mais velho, de cinco. Pôde exercer a paternidade, no entanto, "com a sua baixinha", como ele se referia à sua miúda.

Isa, desde que nasceu, sempre foi mais grudada com o pai. Ele, que não era marinheiro de primeira viagem, já sabia trocar fraldas e, pela mãe não ter tido leite, ele mesmo alimentava a pequena. Sabia a temperatura do leite, a quantidade da mamadeira, a angulação da mamadeira para a neném não engasgar. 

Armando gostava de exibir a filha. Ia ao mercado, levava a filha; ia ao banco, levava a filha; ia ali, só comprar o jornal, levava a filha. Esses episódios, mesmo com a pequena Isa recém-nascida.

Apesar do grude dos dois, Isabela era, também, uma criança livre. Foi criada no estilo "brinca com o que quiser", "deixa a criança se divertir sozinha", "deixa ela brincar de carrinho com o irmão, que que tem?".

Antes de dormir, Armando lia para Isabela que, apesar de ainda não saber ler, ouvia as histórias atenta, até um dos dois acabar adormecendo. Ela não tinha nem quatro meses e Armando já lia para a filha. 

Domingo de manhã, antes de ir à praia, ele gostava de ler o caderno dos esportes. Até isso ele lia para a filha. Os amigos sacaneavam; a empregada sacaneada; a sogra sacaneava. 

- Porra, a criança gosta! Precisa ver a cara dela!

- A criança gosta de você, Armandinho, é diferente. Pra ela, se você ler Chapeuzinho Vermelho ou a notícia sobre seu time, a cara dela vai ser a mesma!

Mas Armando (e Isabela) sabiam que não era bem assim. Da relação dos dois, só os dois entendiam.

Falando dessa liberdade - e desse grude - vi a criança, na praia, correndo para lá e para cá, no meio das pessoas, em direção ao mar. Não ouvi um grito de "cuidado!", "cadê a mamãe?!", "cuidado com o mar!".

Isabela sabia cuidar de si. Ainda assim, Armando não tirava o olho da sua baixinha, mesmo quando os amigos achavam que não.

Armando estava na beira do mar, conversando-fiado-sobre-futebol, com os "amigos de domingo", quando Isabela veio correndo, pelas costas dele, e se agarrou às pernas do pai. 

O "pai-grande" a pegou no colo que, como um grude infinito e para toda a vida, se enganchou pernas e braços nesse pai e ficou, ali, aninhada, no melhor colo do mundo, só ouvindo as conversas de futebol, que tanto gostava.

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