Hésus


Pegamos um caminho novo, sombras novas, lojas novas, e acabamos chegando tarde.

Não tinha cadeira e, portanto, deitamos com o corpo na areia, sentindo as novas texturas disponíveis.

O de sempre: o mar, a areia, o sol, as nuvens, as pessoas, as crianças, as bolas (de todos os tamanhos). Até a maconha.

Mas, nem por isso, menos pior. Cada dia melhor, aliás.

A gente, diferente, as conversas, o mate, os pensamentos, as risadas, as angústias, os olhares.

E por falar em olhares, o vimos "correndo". Sim, entre aspas. Uma corrida lenta. Talvez uma andada saltitante.

Ela o chamou de Don Quixote brasileiro.

89 anos, quase 90. Vestia sunga verde, e carregava chinelo preto e blusa branca, enrolados, na mão. Ele correu pra lá. E depois pra cá. Cabelos - poucos - brancos. Muito, muito, muito magro. Via-se as suas costelas, os ossos da perna, da bacia.

Nasceu no Brasil, mas seus pais, espanhóis, queriam que se chamasse Jesus. O pai só percebeu, no dia seguinte, que, na certidão, ficara Hesús.

- Maldito escrivão! - murmurou o pai, quando a esposa viu e leu para ele.

- Mas ficou bonito, Hernandes. Hesús, Hesús... - a mãe treinava, embalando o pequeno.

Seus pais ainda o chamavam - na intimidade de casa - de Jesus. O resto todo, de Hesús.

Hesús ficou viúvo há 8 anos e, vem vivendo, a partir de então, uma vida sozinha e silenciosa; tentou, portanto, ir à praia e gostou.

Seus filhos, netos e bisnetos - são muitos - vêm visitá-lo quinzenalmente, e trazem tudo pronto para o almoço. A comida sobra para o resto da semana, e é isso que Hesús come: pouco. A faxineira vem, e faz uma comida fresca, na semana. Ele mantém-se assim.

Não é triste. Nem, tampouco, é feliz. Vive a sua vida.  Gosta do silêncio, e do som das ondas do mar.

Aos domingos, Hesús toma o seu café cedo e vai à praia, antes do almoço, dar a sua corrida. Tem fôlego o velhinho.

Gosta de sentir o mar gelado aos seus pés. De desviar das crianças correndo, e das ondas maiores. Pega uma bola ou outra que insiste em parar aos seus pés. Vê os jovens e pensa na sua época... "Ah, meus 25, 30 anos...".

Apesar de não conseguir ver seu olhar, Hesús é um homem corajoso, forte.

Vê-lo correndo, hoje, me deu coragem e força.


Obrigada, Hésus, por fazer paisagem, na praia, hoje, para a gente.

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