Adriana, Renan e o gato

Eles não me viram. Raramente eles me vêem.

Era de madrugada, cerca de 2h da manhã. Tijuca, Praça da Bandeira, por ali.

Eles passavam, de mãos dadas. Adriana, de vestido. Renan, de calça e blusa social. Ambos de mochila. Não sei bem pra onde eles estavam indo. Talvez para casa. 

Conversavam, falando baixo. A hora não permitia conversas em voz alta. E eles respeitavam o silêncio e a escuridão.

Em uma mureta baixa, Adriana viu, atrás da grade, dois gatos. Pareciam dois machos. Um maior, amarelo; um menor (filhote), branco e preto.

- Oi gato...

E deu uma mini trava no andar, para fazer carinho no gato. Chegou a aproximar a mão, para que ele - o filhote - cheirasse ela, antes do carinho. 

- Adri... olha a hora... vamos embora?

Ela foi. Queria ter chamegado o gato, feito um carinho, sentido o pêlo. Mas era tarde. Um lugar deserto, silencioso e escuro. Renan tinha razão. Continuaram andando.

O gato, filhote, no entanto, veio atrás.

Adriana e Renan não corriam, mas eram adultos; o gato, era filhote: precisava correr para acompanhá-los.

- Gato, volta pra lá, gato.

- Renan, o gato tá vindo atrás da gente, Renan...

- Não olha pra ele, Adriana. Vamos seguir nosso caminho. Ele vai voltar pro cantinho dele.

Mas o gato não voltava. O "miau" longo do filhote  invadia o silêncio da madrugada.

Adriana ria, de nervoso. Queria levar o gato pra casa. 
[Eles não estavam indo pra casa, acho; se não, ela teria pego o pequeno no colo].

- Não, Adriana, vamos embora.

- Não estou olhando, Renan. Mas olha o miado. Ele tá miando! Ele tá vindo.

- Ele vai parar de miar, e voltar pro cantinho dele, você vai ver.

Atravessaram a rua. Eu vi o gato travando a pata. Ele já vira outros gatos atravessando a rua e se ferirem. Eram pequenos, era de noite. 

O gato foi, apenas, atrás de alguém que chamegou.

- Mas eu nem chameguei, Renan. [Ela ouvira os pensamentos dele] Nem encostei no gatinho, coitado. Ele devia estar com fome.

- Não. Os animais reconhecem um gesto de ternura. Foi atrás disso que ele veio. Que ele foi.

- A gente volta lá amanhã, pra ver se o gato está lá?

- Volta. 

O gato não estava. Tinha comida, água, e uma caixa de papelão, com retalhos, onde ele e outros gatos deviam dormir.

Renan nem sabia, mas Adriana ficou pensando no "ele só veio atrás de um gesto de ternura". E era - também - por isso que Adriana morria de amor por este ser humano. Que, apesar de suas infinitas imperfeições, Renan tinha um olhar amoroso (e terno) por ela e pela vida.

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